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euro – should I stay or should I go?

6 comentários

Tem crescido a discussão sobre a participação de Portugal na zona euro, sobretudo depois de se ter tido a percepção de que a Grécia poderia estar para sair.

Vários argumentos têm sido apresentados de cada lado, a favor e contra a manutenção de Portugal no euro.

Do lado do contra a manutenção do euro, o principal argumento que tenho visto é a perda do instrumento da desvalorização cambial.

Do lado a favor da manutenção do euro, há uma divisão entre os que referem os custos de saída do euro neste momento e os que referem a importância da zona euro para o crescimento futuro.

Face a tantas opiniões, é bom que se procurem bases um pouco mais sólidas para a discussão. Em particular, interessa ter mais informação sobre o que será o futuro da economia portuguesa dentro do euro e fora do euro, caso tomasse essa opção. A realização destes exercícios de “bola de cristal” não são fáceis, nem isentos de críticas, mas sempre permitem opiniões mais informadas.

Dois trabalhos que são importantes para ajudar a pensar no tema (podem existir outros, aceitam-se sugestões):

a) António Pinto Barbosa, coordenador, O impacto do euro na economia portuguesa, 1998, Publicações D. Quixote – foi realizado de forma prospectiva, para pensar no potencial impacto que a adesão ao euro teria para a economia portuguesa. Tem a curiosidade de o actual ministro das finanças ter sido um dos participantes.

b) Luís Aguiar-Conraria, Fernando Alexandre e Manuel Correia de Pinho, 2010, O euro e o crescimento da economia portuguesa: uma análise contrafactual, Universidade do Minho – em que se avalia a experiência de Portugal no euro procurando avaliar o que teria sido a evolução da economia portuguesa caso não tivesse aderido ao euro.

Começando por este último artigo, a principal conclusão é a de que Portugal teria crescido mais se não tivesse participado no euro e tivesse mantido a dinâmica que vinha do período imediatamente anterior. A amplitude do ciclo económico seria porém maior. A análise é baseada na construção de modelos VAR (basicamente relações entre variáveis macroeconómicas, que se projectam mecanicamente – isto é, sem alteração e influência de políticas económicas – para o futuro). De alguma forma, esta análise dá algum suporte à ideia de Portugal ter entrado no euro com uma taxa escudo – euro demasiado desfavorável, e que afectou o crescimento da economia portuguesa. Não se pode contudo concluir daqui que a saída é forçosamente um melhor caminho.

O primeiro estudo referido, realizado em 1997, ao ser prospectivo aproxima-se mais do que é necessário avaliar hoje. Uma das componentes importantes desse estudo foi precisamente a importância do instrumento cambial, reproduzindo parte da página 22 desse estudo: “Ao procurar avaliar o impacto do euro na capacidade de reacção às perturbações assimétricas que atingem a economia portuguesa, há que considerar, em primeiro lugar, a questão da perda do instrumento cambial, em resultado da unificação monetária, e o potencial prejuízo que essa perda representará, no futuro, em termos de estabilização das referidas perturbações. Na avaliação desse prejuízo, importa começar por aferir o papel que o instrumento cambial desempenhou no passado. Aqui, a análise histórica revela que, nas últimas décadas, o câmbio não terá desempenhado um papel significativo como instrumento activo de estabilização dos principais choques macroeconómicos. No passado mais recente, terá servido fundamentalmente para neutralizar o diferencial de inflação de Portugal com o exterior (um problema que tende a desaparecer com a moeda única) e não propriamente como um amortecedor de perturbações macroeconómicas.” Concluem depois que a “perda do instrumento cambial não virá previsivelmente a representar, relativamente ao passado, um custo adicional significativo em matéria de estabilização”.

Ou seja, a evidência passada é a de que mesmo quando era possível, o instrumento cambial tinha apenas um papel de compensar diferenciais de inflação, e não de atenuar os ciclos económicos.

Em contraponto ao instrumento cambial, este estudo de 1997 referia ainda (p.24): “os ajustamentos requeridos na dívida pública e no saldo orçamental dos Estados-Membros, por força do Tratado e do Pacto de Estabilidade e Crescimento, irão possibilitar a criação de um espaço de manobra ao funcionamento dos mecanismos de estabilização automática dos orçamentos nacionais, que lhes poderá conferir, por essa via, uma eficácia estabilizadora”. Ora, foi este mecanismo e esta credibilidade de ajustamento que foi destruída pelos políticos europeus, com França e Alemanha à cabeça quando “furaram” os limites estabelecidos. O desenho económico pensado não resistiu à pressão política do momento.

Juntando estas duas peças do puzzle, não são tão antagónicas como parecem. Um elemento crucial é a interacção entre a decisão política e o modelo económico adoptado. A incerteza da actuação política na condução da política económica não é capturada pelo tipo de modelo usado no estudo de 2010, e os mecanismos formais dos tratados também são menos fortes do que se julgava (ou se queria crer). Olhar para o futuro implica assumir que quaisquer resoluções hoje serão ultrapassadas por outras medidas se isso for vantajoso no futuro, mesmo que se escreva hoje em tratado que não sucederá.

É certo que os custos de transição de euro para outra moeda serão substanciais. E, pessoalmente, a estabilidade e pertença da zona euro são a prazo, digamos 20 anos, mais compensadoras que uma gestão cambial de curto prazo. Mas seria bom ter alicerces mais fortes que convicções de pessoas (mais ou menos informadas, conforme os casos).

 

Trivia: 30 anos depois, The Clash, coloque-se Portugal e a zona euro nos protagonistas – http://www.youtube.com/watch?v=V1Gn0e7kvTA

Desconhecida's avatar

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

6 thoughts on “euro – should I stay or should I go?

  1. Aida's avatar

    A manutenção do Euro em Portugal implica aceitar no médio prazo um federalismo europeu… Será que estes custos do federalismo não são superiores aos custos da saída do euro? Será que os benefícios da saída do euro não são superiores aos da manutenção?
    Historicamente sempre procurámos ter a nossa independência, será que isto não tem significado?

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  2. Francisco's avatar

    Caro Pedro
    Efectivamente o trabalho de 1988 encomendado pelo Ministro da Finanças Sousa Franco à Universidade Nova de Lisboa, é o que mais tenho consultado para comparar.E…foi a politica, como sempre, a não dirigir o processo a par de gritar sistematicamente ” é a politica estúpidos”.
    O segundo trabalho é um eco bem estruturado das posições do coerente Ferreira do Amaral.E que os “ladrões de bicicletas” continuam a pedalar.
    Quanto aos sair ou ficar, estou mais numa de, vamos ficando, tal a questão sistémica bicuda a resolver.
    Mas não posso deixar de te dizer-te que, quando estava na SIBS e foi levada a cabo a operação da troca nas ATMS dos escudos pelos euros, ter pensado varias vezes: “caberá aqui esta entrada no euro com uma taxa escudo – euro tão desfavorável?A malta vai encantar-se agora mas vai desencantar-se um dia destes…”E um dia estas notas não vão caber nos cacifos…ou não irão estar mesmo lá…”.
    FVRoxo

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  3. Pedro G. Rodrigues's avatar

    Qualquer análise contrafactual (i.e. o que teria acontecido a Portugal caso não tivessemos aderido ao euro em 1999), para ser completa, teria de reconhecer que a adopção da Moeda Única pode não ter sido o evento mais determinante para a evolução das economias na década 00. A chamada ‘decada perdida’ em termos de (ausência de) crescimento económico e comum não só a Portugal mas também, por exemplo, aos Estados Unidos. Por isso, julgo que é preciso não sobrevalorizar a importância do euro na vida económica de um país.

    Mas isso não quer dizer que ter ou não ter euro é irrelevante (ou neutral, como diria um economista). Como refere Paul De Grauwe num artigo recente (http://www.econ.kuleuven.be/ew/academic/intecon/Degrauwe/PDG-papers/Discussion_papers/Governance-fragile-eurozone_s.pdf), não ter moeda própria pode deixar um país mais vulnerável ao ataque dos mercados financeiros. Ele dá o exemplo da Espanha e do Reino Unido que têm fundamentais semelhantes, mas que estão a ser tratados de forma diferente pelos mercados. A razão? O Reino Unido tem a Libra, o que quer dizer que a sua dívida está denominada em Libras, uma moeda sobre a qual tem controlo. Por isso pode, em teoria, reduzir o valor do que deve enfraquecendo a sua moeda.

    E quanto ao uso de moeda própria como instrumento de competitividade? Este parece ser o argumento de eleição do que defendem que Portugal cometeu um enorme erro ao aderir ao Euro. Contudo, como sabemos, este instrumento nunca foi eficaz num horizonte de médio-longo prazo pois traduzia-se sempre num problema de inflação demasiada elevada.

    Em conclusão, volto às ideias do meu primeiro parágrafo. Julgo que não devemos procurar no euro (ou no escudo) a solução mágica dos nossos problemas. Uma desvalorização competitiva é sempre uma tentativa de enganar alguém … invariavelmente enganamo-nos a nós próprios. Aqui vale a pena relembrar o que aprendemos nas primeiras páginas dos manuais de economia: é preciso garantir a boa afectação dos recursos disponíveis. Pensemos antes em formas de produzir mais com os mesmos recursos, em formas de reorganizar, em formas de reduzir bottlenecks, etc. Enquanto não o fizermos continuamos a olhar para a cauda e não para o cão. E isso só nos trará mais dores de cabeça.

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  4. Pingback: O euro – ficar ou sair? | Em debate com Pedro G. Rodrigues

  5. Daniel Ribeiro's avatar

    Olá Pedro,

    Para além do mais, que não é pouco, há uma crise do euro e há uma crise politica do projecto europeu. Não sei qual das duas acelerou a outra ou se não se conjugam ambas no mesmo vórtice autofágico. Mas facto é que desde a adesão ao SME em meados da década de 90 que não existe um conceito estratégico (ou um modelo de desenvolvimento, se se quiser) para viver com uma moeda forte em Portugal. Não sei se nos tinha adiantado muito, mas facto é que não existiu, nem existe. Nenhum dos nossos governantes nem, eventualmente, nenhum de nós (muito poucos talvez) conseguiu emergir da anestesia de dinheiro barato induzida pela união monetária.

    Era muito dificil optar pelo “não euro” em meados de 90. Nunca nos perdoaríamos ter perdido essa oportunidade (… e se desse certo?) Tal como hoje. É muito dificil optar pelo “não euro”. Mas o que na altura ignorámos e hoje vejo que continuamos a ignorar é que teria sido tão ou mais dificil e desafiante entrar no euro como ter optado por não entrar. E facto é que nos enganámos e vejo hoje que acreditámos que, alem de nos ter parecido parecer melhor, julgámos que era mais fácil “navegar o barco” do euro… mas não era. E apenas fomos na onda… porque era tão dificil ou mais dificil do que não entrar. Nada fizémos.

    E, já agora, convinha não cometermos hoje o mesmo erro. É que, hoje, optar por ficar no euro (no que depender só de nós) não é de certeza mais fácil do que sair do euro. Não nos enganemos, os desafios são enormes em ambas as situações. Não é apenas “sair do euro” que traz riscos elevados. Continuar a ir no barco do “euro” também os encerra pois, supondo que conseguimos ter a opção de continuar com esta moeda, é cada vez mais urgente sabermos o que fazer com ela. QUE PROJECTO PARA PORTUGAL COM O EURO? É que sem o euro já nós sabíamos (pelo menos já era, já é, nosso conhecido….)

    Um abraço
    Daniel

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  6. Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE's avatar

    @Aida, a questão do federalismo europeu é central; se algo se está a aprender com a situação actual é que ficar no meio caminho entre união aduaneira e uma federação não é solução – cria “maus comportamentos” (o problema das dividas soberanas e a sua gestão neste momento, sobretudo pela Grécia, parece mesmo um exemplo clássico de moral hazard nos livros de texto). Do meu lado, não me incomoda uma noção de federação, com uma identidade europeia que se adiciona a uma identidade portuguesa. Mas isso sou eu… admito que possa haver sentimentos mais fortes, e que seja até dominante.

    @Pedro, de acordo com terminar com a obsessão que desvalorizar a moeda nos resolvia os problemas.

    @Daniel, falta-nos de facto um projecto mobilizador e já há algum tempo. Essa falta de projecto é independente de estarmos dentro ou fora do euro. Curiosamente, o projecto de entrada do euro é um projecto de “terra prometida”, uma vez alcançado podíamos descansar que tudo viria facilmente. Foi esse o erro, reforçado pelo efeito riqueza que surgiu da redução das taxas de juro na altura. Não é fácil identificar nos dias de hoje o que possa ser mobilizador enquanto projecto de sociedade. Tenho a convicção que a prazo estamos melhor dentro do euro do que fora, nem que seja para evitar a desvalorização cambial que ocorreria para que tudo ficasse na mesma, apenas todos mais pobres de qualquer modo. Mas só se discutirmos desta forma poderemos vir a encontrar um caminho melhor.

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