O grupo de trabalho – plano de emergência e transformação na saúde (GT-PETS) tornou público o seu primeiro relatório, depois de alguns dias (horas?) de circulação informal. Nem sempre é claro se este tipo de acompanhamento deve ser feito sob os holofotes da discussão pública. Claro que a partir do momento em que é constituído um grupo de trabalho com essa missão explícita, torna-se inevitável que os relatórios produzidos venham a ser tornados públicos (e não fiquem apenas a circular de forma informal). Se o acompanhamento fosse realizado por uma equipa interna do Ministério da Saúde, não haveria necessariamente a exposição pública que é esperada com um grupo de trabalho externo nomeado para o efeito.
A disponibilização pública do relatório do GT-PETS é útil como instrumento de discussão técnica (e não apenas política), dado que este grupo de trabalho deverá fazer o “acompanhamento e seguimento da implementação e desenvolvimento” do PETS. Será por isso o primeiro de vários. É um relatório positivo, no sentido de ter uma estrutura clara, e de ter uma interpretação objetiva, na maior parte das considerações apresentadas, dos dados recolhidos e analisados.
Sendo este o primeiro relatório, é legitimo esperar que os próximos relatórios tenham a capacidade de serem mais precisos nas definições e nos indicadores, na sua definição, recolha e interpretação. Em concreto, alguns termos deverão ser tornados precisos. Por exemplo, cumprimento “regular” (dos tempos de resposta) significa cumprimento em 80% dos casos, em 50% dos casos ou outro valor? Em algumas das medidas analisadas, a ambiguidade estava na própria medida. Como exemplo, “aproximação do SNS ao cidadão através da Linha SNS24”, não cumprir seria não haver qualquer chamada por iniciativa SNS24? É que sendo referido o número de “chamadas aos doentes” que foram feitas, sem se saber o que se esperava no momento de início da medida, permite qualquer conclusão. Ou seja, para os indicadores das várias áreas, estes deveriam ser claramente descritos e definidos, bem como os valores de referência para avaliar do sucesso (até em termos de evolução, ter vários valores de referência para poder-se concluir por falta de sucesso, algum sucesso, muito sucesso terá, a meu ver, algum interesse). Alguns dos indicadores usados na apreciação pelo GT são claros, como o número de cirurgias não oncológicas fora do TMRG. Outros são difíceis de perceber como calcular. Na medida “C.1 – Separação das especialidades de ginecologia e de obstetrícia, b) minimizar ocorrências de atendimento de utentes com necessidades ginecológicas por profissionais especialistas em Obstetrícia”, minimizar significa 0 (zero) ou um valor pequeno (qual?), e “necessidades ginecológicas” é algo que se encontra bem definido e medido? Esta é uma dificuldade do PETS, e o GT tem como comentário “Esta medida não está implementada e será de difícil implementação”, sendo provavelmente lícito adicionar que será de complicada medição (os custos de avaliar de forma precisa o tipo de “necessidade” envolvida provavelmente não justificam os benefícios que seriam retirados do conhecimento obtido).
Noutras medidas, a ambiguidade na escrita da medida original no PETS exige um pouco mais de análise. Não basta ter um indicador numérico. Um exemplo é a “Medida A2: Criação de Centros de Atendimento Clínico para situações agudas de menor
complexidade e urgência clínica”, em que se considera concluída por terem sido criados dois CAC – Centros de Atendimento Clínico, em Lisboa e no Porto, com atendimentos realizados. Contudo, não se sabendo quantos se pretendia criar, e que efeitos se pretendiam alcançar, não é tão simples dizer que foi realmente concluída com sucesso. Abrir mais pontos de atendimento gera normalmente mais utilização. O importante desta medida não é saber se teve atividade, e sim saber se desviou atividade de outras unidades, nomeadamente diminuindo a pressão nas urgências hospitalares próximas. O esforço de análise envolve análise estatística adicional. Adicionalmente, de um ponto de vista de gestão do sistema de saúde, será relevante saber, num relatório futuro, se os custos de abertura destes CAC são compensados pelos benefícios deles retirados (isto é, quais seriam os custos para o SNS se estes CAC não tivessem sido abertos, numa perspetiva de gestão do SNS).
Há igualmente situações em que a informação obtida e cruzada deixa necessidades de clarificação, reconhecidas, e bem, pelo GT, como sucede com referência à “Medida A3: Implementação da consulta do dia seguinte nos Cuidados de Saúde Primários para
situações agudas de menor complexidade e urgência”.
Por seu lado, as fontes dos dados deverão ser referidas, quer estejam em domínio público, ou não.
O cumprimento do prazo de elaboração do relatório do GT determinou, provavelmente, que não tenha sido recolhida toda a informação pretendida, e é de reconhecer como positiva a decisão de apresentar o relatório identificando as limitações a serem resolvidas, espera-se, em futuras edições. Embora mencionada apenas brevemente, há aparentemente um apoio profissional (da IQVIA) na criação dos instrumentos de acompanhamento. É adequado que o GT tenha apoio técnico e logístico na recolha e processamento da informação necessária, e que daí resulte eventualmente um documento técnico separado, libertando o relatório de acompanhamento para a interpretação dos indicadores e para a produção dos indicadores. É importante que seja conhecido o processo de recolha e de tratamento de dados, para que possa haver replicabilidade do trabalho realizado, e avaliação da qualidade do processo. Porém o relatório de acompanhamento deverá centrar-se no essencial, e os elementos que permitam a avaliação externa da qualidade técnica do relatório de acompanhamento podem ficar detalhados em documento complementar.
Globalmente, é interessante perceber em que medida a informação do portal da transparência do SNS é passível de ser usada nestes relatórios de acompanhamento (procurarei voltar a este aspeto no futuro próximo), e se as séries estatísticas que estão a ser recolhidas para este acompanhamento passarão a ser parte do catálogo deste portal da transparência do SNS.
O primeiro relatório do GT-PETS é um documento útil, pela informação que contém e pela honestidade, em geral, das apreciações e das recomendações produzidas, e será certamente melhorado em próximas versões.
