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sobre o Inquérito Serológico Nacional COVID-19, do INSA

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inquérito serológico nacional feito pelo INSA indica uma estimativa de 2,9% da população residente em Portugal já ter tido contacto com a COVID-19 (sendo que o intervalo da estimativa está entre 2% e 4,2%). Ou seja, há uma confirmação de apenas um pequeno número de pessoas, no contexto da população total residente em Portugal, ter estado exposta à COVID-19, resultado das medidas adoptadas (o que se passa em alguns estados dos Estados Unidos sugere o que pode suceder em termos de ritmos de contágio caso não se sigam medidas destinadas a cortar esse contágio).

Para esta conclusão, não é crucial uma precisão muito grande na estimativa fornecida – não é muito diferente se for 2% ou 4,3%, os limiares mínimo e máximo da estimativa. Em termos técnicos, a forma de amostragem poderá ter induzido algum efeito de seleção na amostra usada, apesar dos cuidados tidos pelos autores em procurara evitar esse efeito. Ao considerar apenas pessoas que se dirigiram a hospitais ou a pontos de colheita por outros motivos que não indicação para fazer teste à COVID-19, evitam uma parte do efeito de seleção. Mas não integralmente, pois não há qualquer garantia que as pessoas que se dirigem para fazer análises são uma amostra aleatória da população relativamente ao risco de terem tido contacto com a COVID-19. Por exemplo, é plausível que algumas das pessoas que tiveram COVID-19 sem qualquer sintoma também possam ter menor probabilidade de ir fazer análises. E para pessoas mais jovens é igualmente plausível que a ida a um hospital possa estar correlacionada positivamente com fatores que tornem mais provável ter tido contacto com a COVID-19. Dada a importância do contágio entre jovens para o funcionamento das escolas, é bastante importante que se perceba se há, ou não, algum efeito de seleção que leve a uma sobre-estimação da exposição à COVID-19 na amostra utilizada.

Os ajustamentos realizados no estudo não eliminam totalmente a possibilidade de enviesamentos.

No estudo realizado em Espanha, referido pelos autores do INSA para comparação, optou-se utilizar uma amostragem aleatória da população, inicialmente prevista para cerca de 102  mil pessoas, tendo no final analisado uma amostra de 61075, muito maior, em termos relativos e face às populações de Espanha e Portugal, que a amostra de cerca de 2300 pessoas no estudo do INSA. Sobre outros detalhes técnicos que melhorariam, a meu ver, a qualidade do estudo, pode-se consultar o Roteiro Serológico Nacional proposto por um grupo de investigadores e dinamizado a partir do Instituto Gulbenkian de Ciência (disponível aqui) (*).

A capacidade de retirar conclusões a um nível mais fino, por grupos da população, fica naturalmente limitado pela dimensão da amostra – por exemplo, em Espanha, as diferenças entre grupos etários existem de uma forma que não é identificada no estudo do INSA – a dimensão e forma de amostragem poderão ser uma explicação (ou haver então algo na exposição ao vírus em Portugal e Espanha que tenha gerado as diferenças). 

Dito isto, não é de esperar, contudo, que os valores fossem suficientemente diferentes para ter implicações completamente distintas em termos de políticas públicas. Até pelas medidas adotadas para contenção da pandemia é natural que os valores sejam baixos, e não estão muito diferentes do que se encontrou em Espanha (fora dos grandes centros urbanos, onde a presença da COVID-19 foi muito mais intensa – em Madrid, por exemplo cerca 1 em cada 10 pessoas tinha tido contacto suficiente com a COVID-19 para gerar anticorpos).

Deste estudo resulta que também em Portugal o papel dos assintomáticos é importante: pessoas que não tendo sintomas suficientemente importantes para serem detetados pelo sistema de saúde, continuaram a potencialmente contagiar outros. A implicação poderá ser aqui a de usar critérios mais amplos para testar pessoas (com sintomas menos graves) para encontrar e parar o potencial contágio. Encontrar pessoas com sintomas leves ou sem sintomas é naturalmente mais difícil de fazer, será necessário definir critérios para o fazer de uma forma sistemática.

E os valores encontrados para a proporção de pessoas que desenvolveram anticorpos são suficientemente baixos para suscitarem um problema de interpretação, associado com existirem casos que são assinalados como positivos não o sendo realmente. O argumento encontra-se descrito de forma bastante acessível aqui. É um problema que resulta de haver um pequeno número de casos (face à população total) de COVID-19.

Apesar destas observações, não deixa de ser bastante útil ter esta informação, que essencialmente dá suporte a perceção existente de apenas uma fração pequena da população ter sido exposta à COVID-19 (estando-se por isso longe da falada imunidade de grupo), e de as diferenças entre grupos etários não ser suficientemente forte para que um qualquer grupo etário se possa considerar imune ao contágio. Claro que se pelo seu comportamento os valores encontrados entre grupos etários são similares por haver comportamentos subjacentes diferentes (digamos, de maior defesa por parte da população com mais idade), então os valores similares na amostra serão compatíveis com riscos diferentes – esta distinção só é possível ser feita se os testes realizados forem acompanhados de inquéritos que permitam perceber se houve comportamentos que implicassem diferentes exposições das pessoas incluídas no estudo.

Tendo sido este um importante primeiro passo, é agora necessário que este conhecimento seja completado com informação mais detalhada sobre como a COVID-19 se tem vindo a espalhar e como os comportamentos das pessoas têm contribuído para parar os contágios. Desse conhecimento adicional poderão ser depois retiradas implicações para decisões que “afinem” o equilíbrio entre a necessidade de segurança de saúde e a necessidade de atividade económica.

(*) Declaração de interesses: Como subscrevi o Roteiro dinamizado pelo Instituto Gulbenkian de Ciência, a minha preferência à partida é por uma forma de definição da amostra a ser analisada diferente da opção do INSA.

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

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