As vendas com prejuízo receberam recentemente outra vez atenção, com nova legislação sobre o assunto.
Como em muitas outras situações, não é claro o que a legislação irá provocar. A posição geral sobre as vendas com prejuízo está bem descrita no site da Autoridade da Concorrência:
“As vendas de bens a preço abaixo do preço de custo ou vendas com prejuízo integram-se nas denominadas práticas individuais restritivas do comércio, designadamente, no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro (com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio)
Este comportamento consiste em vender, ou oferecer para venda, a um agente económico ou a um consumidor, um produto por um preço inferior ao de compra acrescido dos impostos aplicáveis a essa venda e dos encargos relacionados com o transporte.
Expectavelmente este comportamento é susceptível de prejudicar tanto os produtores como os concorrentes do vendedor, sem contribuir para o bem-estar geral do consumidor.”
Este tema não é ainda assim tão pacífico como parece. Em particular, se uma empresa quiser vender com prejuízo qual é o dano que causa? se for a única empresa no mercado, só estará a beneficiar os consumidores, na ausência de outros efeitos, e nesse caso não haveria qualquer razão para o impedir. Claro que se pode argumentar que não seria racional para a empresa estar sistematicamente a ter perdas financeiras por vender abaixo de custo. Mas até pode fazer sentido, se houver fortes efeitos de aprendizagem que lhe permitam baixar custos futuros, ou para introdução de produtos. Mas ainda assim não é claro que cause danos ao funcionamento da economia ou que tenha custos de eficiência.
É por isso necessário introduzir algo mais, e esse algo mais é a existência de concorrentes – se uma empresa vender com prejuízo com o objectivo de colocar fora do mercado empresas rivais para mais tarde subir preços e recuperar as perdas, então haverá um dano para o funcionamento da economia, e mesmo os consumidores que num momento imediato beneficiam dos preços mais baixos, depois terão de pagar preços mais elevados. Significa que descidas pontuais de preços abaixo do seu custo de aquisição não são preocupantes, mas se tiverem frequência suficiente para terem efeitos estratégicos sobre a permanência ou entrada de empresas concorrentes, então deverá haver preocupação.
O outro aspecto que surge no decreto-lei é o das relações entre as empresas e os seus fornecedores – o de imporem condições retroactivas de descontos (redução de preços, para todos os efeitos) aos seus fornecedores, explorando o seu poder económico. Uma vez mais aqui a questão de eficiência é delicada – se não afectar a sobrevivência económica dos produtores, e simplesmente gerar uma distribuição diferente do valor criado desde a produção até à venda do consumidor final, não é uma questão fundamental – e até pode melhorar a eficiência global; mas também pode criar problemas de eficiência se limitar as opções estratégicas dos produtores e gerar incerteza excessiva na sua actividade (ou no limite forçar a saída desses produtores). Não é também aqui uma questão simples.
Do novo decreto-lei aprovado, não é claro qual será o resultado final – a ocorrência de menores promoções será uma consequência natural, mas não significa que o nível de preços médios venha a ser superior forçosamente; por outro lado, nas relações entre produtores e distribuidores, poderão surgir novas práticas que afectem a redistribuição do valor económico gerado e que não estão contempladas expressamente neste diploma.
Teremos que esperar para ver qual o efectivo resultado que sairá como consequência desta nova disposição.