O Relatório de Primavera dedica atenção cuidada aos cuidados de saúde primários, ou não estivessem alguns dos responsáveis envolvidos nessa reforma e seu acompanhamento.
Há assim uma interessante visão, focando no processo político, que tem como elemento chave, a meu ver, a observação “Remeter completamente para a Administração a condução de uma reforma desta natureza numa altura em que ela precisa, mais do que nunca, de um novo impulso de inovação e mobilização das lideranças no terreno, poderá levar a uma progressiva degradação no espirito e práticas próprias desta reforma.”
Como já comentei noutras ocasiões, a reforma dos cuidados de saúde primários pode ser vista de duas formas quanto à sua dinâmica: a) uma vez lançada cria uma dinâmica de bola de neve, sendo que o grande esforço político de implementação ocorre no início do processo; b) uma vez lançada, é necessário um esforço crescente de empenho político para garantir a sua conclusão pela resistência que vai existindo.
Embora se goste de acreditar mais na primeira versão, o formato da própria reforma, o de adesão voluntária a novos modelos de organização nos cuidados de saúde primários, significa que os profissionais de saúde mais entusiastas aderem primeiro, e produzem os melhores resultados. A mudança dos restantes será mais difícil, mesmo tendo em conta o efeito de demonstração dos primeiros. Isto significa que deverá haver um empenho político renovado em cada momento para manter o ritmo de reforma.
Um processo de adesão voluntária à mudança é, em situações onde o empenho e entusiasmo individuais são cruciais e não controláveis externamente, a melhor forma de conseguir qualquer transformação. Resulta daqui que há necessidade de reforço do empenho político, que se tem vindo a desvanecer de há alguns anos a esta parte. Acrescem as quezílias internas que se verificaram nas estruturas de gestão desta reforma e o não cumprimento de condições acordadas por parte do ministério da saúde, traduzindo-se num efeito de demonstração negativo do novo modelo face aos potenciais novos aderentes.
A actual tendência para políticas “harmónio” – ora concentra ora desconcentra unidades – não só desconcentra a atenção como descentra dos aspectos fundamentais. Aliás, se for preciso resumir num único ponto o principal problema em avançar de forma rápida e segura com a reforma dos cuidados de saúde primários, parece-me que a questão está em se reconhecer que a liberdade de gestão e organização de unidades mais pequenas e próximas da comunidade é o caminho para ter melhor serviço à população mas por outro lado não se querer deixar de ter controle absoluto sobre o que cada uma dessas unidades de saúde faz e não faz. E sobretudo sem haver a percepção clara de que esta contradição tem estado presente. Há uma falta de capacidade de aceitar uma verdadeira liberdade de gestão, com as suas implicações e resultados. O problema é que cada fase de “harmónio” adiciona camadas de complexidade e disfuncionalidade.


