Momentos económicos… e não só

About economics in general, health economics most of the time


2 comentários

post convidado: o que há de comum entre a política e o Carnaval?

Este blog funciona num registo de espaço livre de discussão, está aberto a comentários, e até a textos de convidados. Em vez de um comentário mais longo a um texto, pode justificar-se a colocação de um texto. Ou simplesmente, não se querer abrir um blog e ainda assim querer expressar uma opinião.

Este é o primeiro post convidado, da autoria de Francisco Severino.

“O que há de comum entre a política e o Carnaval?

À primeira vista deveríamos estranhar esta associação, mas desconfio bem que não serão poucos os que terão esboçado um sorriso ao ler o título.

Já todos aliás nos habituamos a ver um certo político com responsabilidades regionais a participar num carnaval conhecido, mas não é nisso que estou a pensar.

Peço alguma paciência ao leitor e explicarei o que leva a pensar que há muito me comum entre o carnaval e a política.

Estando Portugal no meio do que será porventura uma das mais graves crises económicas da sua já longa história, não consigo deixar de ficar triste com o nível, a seriedade (ou falta dela) e o nível de profundidade do debate político.

Alguns dirão que a política é também o reflexo do país que temos.

Sem dúvida o será.

Mas gostaria de acreditar que para além do nível de educação académico, vivia num país com melhores valores – algo que não depende tanto da escola, mas sobretudo daquilo que os pais, a família e a sociedade em geral nos transmitem.

Acreditava eu ser hoje aceite pela vasta maioria dos portugueses que a raiz da crise que temos vivido há mais de 10 anos resulta da progressiva perda de competitividade que em última análise resultou no crescimento do desemprego.

Facto que alguns contestam mas que os números não deixam margem para dúvida é que ao longo destes mesmos 10 anos (e ainda mais ao longo dos últimos 30), o Estado Social foi crescendo até chegar no que é hoje.

Só para ilustrar o que refiro, de acordo com a classificação COFOG em 2011 gastámos mais de 30% do nosso PIB com o Estado Social (Proteção Social, Educação e Saúde), valor 50% mais elevado do que em 2000 quando gastávamos pouco mais de 20% do PIB nestas funções. Em termos nominais em 2000 gastámos pouco mais de 31 mil milhões de euros com o Estado Social. Em 2011 este valor foi de 53 mil Milhões de Euros, ou sejam mais de 5000€ por cada português.

Chegada a chamada crise da dívida soberana dos periféricos e eis que Portugal se vê a braços com a necessidade de reduzir rapidamente a despesa pública.

Esta redução reduz a procura interna o que induz uma recessão.

Quando os nossos principais parceiros comerciais (Espanha, Alemanha, França, …) resolvem também aplicar medidas de austeridade as suas economias reduzem o crescimento e algumas entram em recessão e as nossas exportações ressentem-se.

Reconhecendo que o nível de impostos é mais elevado do que o que a maioria dos portugueses parece disponível para aceitar o Governo tentou (de forma pouco eficaz diga-se) lançar o debate sobre a reforma do Estado e sobre o nível de Estado que queremos.

Algo que o Ministro das Finanças em tempos explicou dizendo que “Existe aparentemente um enorme desvio entre o que os portugueses acham que devem ter como funções do Estado e os impostos que estão dispostos a pagar”.

E deste “enorme desvio” têm resultado os enormes deficits que em apenas pouco mais de uma década a dívida acumulada em % do PIB tenha passado de manos de 50% para mais de 120% do PIB.

Lançado o processo da “reforma do Estado” – ou seja, com a promessa da redução estrutural de despesa – o Governo conseguisse convencer os seus (atuais) principais credores _ a troika – a concederem-lhe uma reestruturação da sua dívida – sim leram bem, Portugal conseguiu reestruturar parte da sua dívida! – Falo, claro, da extensão das maturidades.

E foi na sequência da extensão das maturidades (o soft reestructuring) e deste compromisso com a reforma do Estado que Portugal conseguiu convencer mais uns novos financiadores. Colocámos assim a primeira emissão de Obrigações do Tesourou a 10 anos desde o início da crise soberana.

Foi assim com alguma surpresa que pude hoje nos últimos dias este artigo http://rr.sapo.pt/informacao_detalhe.aspx?fid=27&did=109681 que refere como um dos principais partidos do arco da Governação vai fazer propostas para aumentar as pensões (mínimas) e também o salário mínimo.

Curiosa porque o programa de ajustamento subscrito supostamente pelos 3 partidos do arco da Governação estabeleceu claramente que durante o programa de ajustamento (2011-2014) não haveria aumento do salário mínimo nacional.

Mais curiosa a proposta quando no âmbito das propostas para a reforma do Estado o Governo anunciou a redução das pensões – bem sei que também disse que iria salvaguardar as pensões mais baixas.

Mas deixem-me clarificar a minha posição – acredito que são boas propostas…

Propostas com as quais no campo dos princípios concordo completamente.

Isto é, concordo que deveremos ter como objectivo aumentar as pensões de sobrevivência, reduzindo assim o fenómeno da pobreza na velhice – algo, já agora, que os nossos quase 20% de despesa no PIB com a Proteção Social não parece ser eficazes a fazer…talvez antes de “atirar mais dinheiro para o problema”, nos devêssemos debruçar sobre o que está errado no atual sistema que, sendo caro (i.e. consome muitos recursos), é ineficaz (i.e. não parece combater eficazmente a pobreza e exclusão social).

Concordo também que deveremos ter como objectivo que o salário mínimo nacional possa subir, pois deve ser bastante difícil viver com este valor.

…o que já não concordo é que este seja o momento para o fazer!

E não me parece que o seja por pelo menos duas ordens de razões:

1) aumentar as pensões implica quase certamente aumentar a despesa pública

i.e. não imagino que a proposta passe pelo aumento das pensões mínimas (na sua maioria não contributivas) à custa da redução das restantes pensões (que resultam de regimes contributivos)

2) aumentar o salário mínimo deverá resultar a curto prazo em menos criação de emprego e a curto/médio prazo em mais desemprego

Que estas propostas fossem apresentadas por centrais sindicais ou por partidos mais pequenos e radicais, já nos habituamos (infelizmente!), mas que surja de um partido no arco da governação preocupa-me deveras.

Como não acredito que não conheçam e que não concordem com análise simples que acabei de fazer, só posso concluir que se trata de “publicidade enganosa”. Sabem certamente que caso formem Governo não poderão executar as medidas que agora propõem.

Entraríamos então na já habitual fase de culpas sobre os antecessores que afinal deixaram o país muito pior do que pensavam, etc, etc.

Fosse uma empresa privada a fazer publicidade a um seu qualquer produto e estou certo que levaria uma pesada multa por “publicidade enganosa”.

Mas neste caso não há problema, afinal é só política e na política, como no Carnaval, ninguém leva a mal.

Afinal e ainda para mais este ano é ano de eleições…

Eu acredito que uma pessoa pode fazer a diferença.

Acredito também que os atos, mais do que as palavras, revelam os valores de quem as pratica.”


Deixe um comentário

o relatório da ocde (16)

A secção II.2 é dedicada à coesão social, e às transferência de natureza social existentes. É afirmado desde logo que os programas essenciais à coesão social em Portugal devem ser garantidos. O aspecto crucial é como evitar que apoios temporários se tornem permanentes, ou que não dificultem a reinserção dos trabalhadores em novos empregos, noutros casos, por ser mais compensador o valor de subsídio de desemprego do que o salário.

De qualquer modo, as recomendações nesta área, apoio social, saúde e pensões não são substantivamente diferentes do que têm sido as várias propostas apresentadas, apenas menos enfáticas na redução dos apoios. Mesmo assim, remete-se sempre para um cuidado com os efeitos de desincentivo de actividade económica que estes apoios sociais podem trazer.


Deixe um comentário

o relatório da ocde (15)

A parte II do relatório da OCDE é dedicada às políticas de apoio ao emprego e à coesão social, nomeadamente através do sistema de impostos e das políticas de transferências sociais.

O principal aspecto focado é a elevada diferença entre o que a empresa paga por ter um trabalhador e quanto o trabalhador recebe em termos líquidos – entre contribuições várias e impostos, a diferença acaba por ser muito significativa e impede a criação de mais emprego.

Assim, a OCDE retoma o tema da redução das contribuições feitas pelas empresas por trabalhador ao serviço. Sugerem como forma de financiamento não uma alteração do IVA e sim uma progressividade nas contribuições – salários mais elevados teriam um desconto maior, para permitir reduzir as contribuições nos salários mais baixos, e aumentar o emprego. Contudo, o argumento apresentado não é claro sobre se se trata de uma questão de eficiência ou de equidade, até porque não é claro se é mais penalizador da economia uma diferença entre pagamento da empresa e recebido pelo trabalhador em salários que correspondam a profissões de elevada produtividade (e logo elevado salário) ou a profissões de baixa produtividade (logo, de baixo salário).

Ainda neste campo, sugerem um aumento dos impostos sobre imóveis, reduzindo-se os impostos sobre transacções de imóveis, como forma de penalizar menos a mobilidade das pessoas dentro do território nacional.

Claro que se for para alcançar uma maior receita fiscal, qualquer aumento de impostos significa que alguém terá menor rendimento disponível, e é provável que quem venha a perder rendimento com estas alterações se oponha. Há, na verdade, uma questão a responder pela sociedade portuguesa, e cuja resposta cada um tende a interpretar à medida do que lhe parece adequado, como distribuir o aumento da carga de impostos pela população? qual o papel dos custos de eficiência e de efeitos sobre a eficiência das diferentes alternativas?

Defende ainda a OCDE que os objectivos sociais são alcançados de forma mais efectiva através de redes de apoio social do que através de taxas de IVA reduzidas, propondo uma revisão do IVA, nomeadamente no que está incluído nas taxas de imposto mais baixas. A utilização de impostos ambientais é ainda apontada como uma forma de aumentar a receita fiscal e ao mesmo tempo corrigir uma estrutura produtiva demasiado orientada para tecnologias poluentes.

A redução dos benefícios fiscais e a simplificação da sua estrutura são igualmente advogadas pela OCDE. Neste campo, será fundamental assegurar que a estrutura fiscal não distorce de forma significativa as próprias decisões empresariais, nomeadamente as de investimento. Isto é, um investimento deverá ser sempre decidido, quanto à sua realização, de acordo com a produtividade que gera, e não de acordo com o retorno privado, decorrente da produtividade e do  benefício fiscal que gera.


Deixe um comentário

o relatório da ocde (14)

A secção 1.5 é dedicada ao mercado de trabalho, onde se refere que as reformas de flexibilização devem contribuir para aumentar o nível de produtividade (o objectivo central em termos genéricos de todo o programa de ajustamento).

A principal dúvida é que não é claro qual é o mecanismo pelo qual esperam que este aumento da produtividade suceda, pelo que se torna difícil avaliar a razoabilidade desta expectativa e sobretudo saber se está a começar a ser cumprida ou não.

Há a preocupação com a segmentação no mercado de trabalho, entre os que têm contrato permanente e os que não têm (ver os posts sobre o livro do Mário Centeno neste blog).

Dois reparos adicionais apenas: há que atender às preferências sociais de protecção, equidade e riqueza alcançadas; por outro lado, “jogar” apenas para uma melhor posição nos rankings oficiais que sejam produzidos pode não tratar directamente do que limita o crescimento da produtividade. Neste processo de desbloquear o crescimento da produtividade via regras do mercado de trabalho que a limitem, há que ter o cuidado de evitar exercícios demasiado mecânicos de comparação entre países. Ainda assim, há aspectos que se podem aprender das experiências desses outros países com melhor desempenho económico.

No funcionamento do mercado de trabalho, há que ganhar um melhor conhecimento da importância de esquemas de trabalho flexível e de bancos de horas. Essencialmente, esses sistemas permitem que o ajustamento às flutuações da economia possam ser partilhadas entre a empresa e os trabalhadores. Para isolar completamente os trabalhadores dessas flutuações, as necessidades financeiras e de acumulação de capital para suportar os tempos “maus” são mais elevadas. Mas se os trabalhadores partilham das flutuações da procura então estão a dar de algum modo também um seguro à empresa, que deverá pagar através de salários melhores.

Uma outra dimensão desse ajustamento às flutuações é saber se é preferível que seja realizado através do número de horas trabalhadas e espalhado por todos os trabalhadores ou seja realizado através da variação do número de trabalhadores. Para variações sazonais, ou que se saiba serem temporárias com elevada probabilidade, a alteração do número de horas é mais interessante por manter mais facilmente o capital de conhecimento da empresa (um argumento de eficiência de funcionamento da economia, diferente por isso do argumento de justiça de repartir os custos por todos).


Deixe um comentário

o relatório da ocde (13)

A secção 1.4 é dedicada aos recursos humanos – educação e capital humano.  Uma primeira ideia transmitida é a importância de fazer funcionar melhor o ensino profissional, procurando criar uma maior ligação entre as empresas e os trabalhadores em treino.

A referência ao educação de adultos foca-se no que chamam “key information-processing skills”, ou seja não interessa tanto a experiência de vida, e dá-se uma definição exacta ao que se deve ter em conta. Não é a experiência profissional que conta e sim a capacidade de desempenhar determinadas tarefas e ter capacidades numéricas e literacia.

Falam também nas “cicatrizes da crise no capital humano”, essencialmente o risco da situação actual afastar de forma definitiva do mercado de trabalho um número elevado de trabalhadores, por depreciação, perda, do seu capital humano.

A questão central é o que pode ser feito, quer oficialmente quer pelos próprios, para evitar depreciar esse capital humano. Por exemplo, fará sentido desenvolver iniciativas voluntárias que tenham como objectivo criar competências e ser útil ao mesmo tempo em qualquer aspecto da vida actual em sociedade? Mas é duvidoso que os desempregados jovens vejam valor em trabalhar só para construírem competências ou melhorarem as que já possuem (embora não se fique muito longe dos estágios remunerados que algumas profissões apresentam e que se traduzem numa exploração do trabalho dos jovens).

As chamadas politicas activas do mercado de trabalho (aconselhamento, apoio na colocação e procura de emprego) são obviamente referidas. Aqui devia-se ter um acompanhamento permanente, uma vez que é muito fácil tomarem-se medidas apenas para a imprensa ver, e sem depois terem correspondência prática em termos de resultados.


1 Comentário

o relatório da ocde (12)

A secção 1.3 é dedicada à inovação, retomando temas comuns desta área: a colaboração entre a universidade e as empresas, e a criação de um ambiente favorável à inovação empresarial.

No primeiro caso, continua-se a pensar na forma de repetir em Portugal o que se considera ter sido um sucesso noutros países. Ora, se há vários anos que se fala sempre desses mecanismos e acabam por não ser adoptados ou não surtir efeitos, talvez seja altura de procurar pensar de forma diferente essa colaboração entre os dois lados.

Não tenho uma resposta mágica para a pergunta de como aumentar de forma produtiva essas ligações entre empresas e universidades, mas pelo menos pode-se pensar em possibilidades como a) contratar gabinetes de transferência de tecnologia de outras universidades noutros países para fazer a ligação entre a investigação universitária em Portugal e as empresas de outros países; b) organizar a cooperação das empresas portugueses com investigadores de outros países; c) “pagar” alguma da inovação feita nas universidades portuguesas com participações dos investigadores em empresas nacionais que as desenvolvam.

Já na criação de ambiente favorável, pensar em termos de créditos fiscais não sobre o investimento realizado em investigação e desenvolvimento (apenas leva a que se procure classificar tudo o que se faz como investigação e desenvolvimento para obter esse crédito), e sim dar créditos fiscais baseados no sucesso futuro. Por exemplo, reduzir impostos sobre lucros de produtos patenteados e exportados faz com que o benefício só possa ser recolhido se houver patente e exportação, enquanto o crédito fiscal sobre o investimento dá um benefício quer se tenha resultados quer não.

A OCDE não foge aqui à apresentação de uma proposta concreta, a pensar em termos de eco-inovação, o que deverá pelo menos ser pensado e estudado. Claro que fica sempre a interrogação se a inovação pode ser tão dirigida a uma área e se não se estará a perder oportunidades noutras áreas, interrogação que não tem uma resposta clara. A maior parte das grandes inovações não surgiram da iniciativa governamental, o que sugere uma presença pública de apoio transversal.


Deixe um comentário

o relatório da ocde (11)

Situando-se ainda no campo dos transportes, há a referência ao desenvolvimento dos transportes ferroviários, nomeadamente de mercadorias, com um projecto governamental que espera, segundo é dito no relatório da OCDE, diminuir os custos de exportação em 40% e aumentar a capacidade em 80%. A primeira questão é naturalmente quanto é que no passado se tem acertado nos resultados?

Para que os transportes ferroviários possam ter maior contribuição para uma boa infraestrutura de transporte, provavelmente não basta fazer investimentos físicos, e a OCDE recomenda aqui a necessidade de fazer uma separação mais completa entre as infraestruturas físicas de transporte e as empresas que utilizam essas infraestruturas.

Como outros países, como a Inglaterra, já adoptaram medidas desta natureza há muitos anos, convém ir aprender com as respectivas experiências quais os ganhos e problemas que se encontraram. Aprender com os erros dos outros pode evitar alguns desses erros cá. Perceber onde há os maiores ganhos poderá permitir estabelecer prioridades.