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Relatório da Primavera 2012 (8)

4 comentários

O Relatório de Primavera dedica atenção cuidada aos cuidados de saúde primários, ou não estivessem alguns dos responsáveis envolvidos nessa reforma e seu acompanhamento.

Há assim uma interessante visão, focando no processo político, que tem como elemento chave, a meu ver, a observação “Remeter completamente para a Administração a condução de uma reforma desta natureza numa altura em que ela precisa, mais do que nunca, de um novo impulso de inovação e mobilização das lideranças no terreno, poderá levar a uma progressiva degradação no espirito e práticas próprias desta reforma.”

Como já comentei noutras ocasiões, a reforma dos cuidados de saúde primários pode ser vista de duas formas quanto à sua dinâmica: a) uma vez lançada cria uma dinâmica de bola de neve, sendo que o grande esforço político de implementação ocorre no início do processo; b) uma vez lançada, é necessário um esforço crescente de empenho político para garantir a sua conclusão pela resistência que vai existindo.

Embora se goste de acreditar mais na primeira versão, o formato da própria reforma, o de adesão voluntária a novos modelos de organização nos cuidados de saúde primários, significa que os profissionais de saúde mais entusiastas aderem primeiro, e produzem os melhores resultados. A mudança dos restantes será mais difícil, mesmo tendo em conta o efeito de demonstração dos primeiros. Isto significa que deverá haver um empenho político renovado em cada momento para manter o ritmo de reforma.

Um processo de adesão voluntária à mudança é, em situações onde o empenho e entusiasmo individuais são cruciais e não controláveis externamente, a melhor forma de conseguir qualquer transformação. Resulta daqui que há necessidade de reforço do empenho político, que se tem vindo a desvanecer de há alguns anos a esta parte. Acrescem as quezílias internas que se verificaram nas estruturas de gestão desta reforma e o não cumprimento de condições acordadas por parte do ministério da saúde, traduzindo-se num efeito de demonstração negativo do novo modelo face aos potenciais novos aderentes.

A actual tendência para políticas “harmónio” – ora concentra ora desconcentra unidades – não só desconcentra a atenção como descentra dos aspectos fundamentais. Aliás, se for preciso resumir num único ponto o principal problema em avançar de forma rápida e segura com a reforma dos cuidados de saúde primários, parece-me que a questão está em se reconhecer que a liberdade de gestão e organização de unidades mais pequenas e próximas da comunidade é o caminho para ter melhor serviço à população mas por outro lado não se querer deixar de ter controle absoluto sobre o que cada uma dessas unidades de saúde faz e não faz. E sobretudo sem haver a percepção clara de que esta contradição tem estado presente. Há uma falta de capacidade de aceitar uma verdadeira liberdade de gestão, com as suas implicações e resultados. O problema é que cada fase de “harmónio” adiciona camadas de complexidade e disfuncionalidade.

 

Desconhecida's avatar

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

4 thoughts on “Relatório da Primavera 2012 (8)

  1. Francisco Velez Roxo's avatar

    Caro Pedro
    Os Cuidados Primários ou passam a ser parte dos cuidados integrados e o cidadao os percebe como boa parte de um todo, e podemos justificar mil alternativas de solucao (e gestao em particular), ou nunca mais haverá tendência de melhoria continua visível e sobretudo sustentada.
    E mesmo se for necessário organizar temporariamente o processo de integracao por etapas/segmentos evolutivos, nao se deve esquecer a dimensão do Pais e, por exemplo, como e que a experiência das ULS tem resultado melhor ou pior e porque.
    Descontando idiossincrasias próprias da gestao da Coisa Publica, a gestao dos cuidados primários e a sua evolucao ponderada pelo problema dos custos e temas de regionalismos, devera ser e muito mais controlada com regras simples e menos interferências de lobbies variados.
    A minha experiência de trabalho com Profissionais de USFs evidenciou-me boas competencias e domínio de FCS em Cuidados Primários.Onde encontrei as maiores criticas de todos eles foi as Estruturas intermédias do MS, por vezes paralisadas por ” burocracia”.E distantes do MundoReal( logo ali ao lado).
    Melhor oportunidade que a actual para fazer evoluir a actuação e percepção sobre os cuidados primários ( em articulação com o Poder Autárquico) nao há.Pese embora ser dolorosa e requeira mão firme para que a articulação com os cuidados hospitalares nao resulte em mais um estrangulamento derivado de economias de escala ilusórias.
    Abraco
    Francisco

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  2. Angelo Abel's avatar

    Um tema que me toca particularmente. Vamos por pontos:

    Teoricamente quase 80% das patologias Médicas podem ser diagnosticadas, tratadas e acompanhadas nos CSP. Além do mais, os CSP são por excelência a entidade que tem o papel mais importante na educação para a saúde e na prevenção primária.
    No entanto, sobra em burocracia e em engrenagens emperradas o que falta em dinamismo que permita um melhor workflow e um melhor sistema de gate keeping.

    1º Falta que os ACES diagnostiquem quais os principais problemas de saúde existentes na sua área de abrangência e deste modo permitir que haja mais interação entre USF /CS e hospitais no sentido de serem criados protocolos de diagnóstico + terapêutica + referenciação, sempre com porta aberta para discussão de casos mais difíceis.

    2º Faltam incentivos à produtividade não no sentido do cumprimento de indicadores (vulgo trabalhar para os indicadores) mas no sentido de se conseguir ganhos em Saúde. Para isso, é necessário que seja dada mais liberdade às USF’s para gerirem elas mesmas a construção e/ou seleção dos indicadores que melhor se adequam à sua população e não indicadores impostos, muitas vezes com metas irrealistas (burro a correr com a cenoura à frente dos olhos).

    3º É necessário dotar as USF’s de meios complementares de diagnóstico que permitam o diagnóstico precoce ou o acompanhamento de patologias frequentes ou nos casos mais isolados geograficamente, que haja um investimento forte na telemedicina. Aparelhos de medição ambulatória de pressão arterial, aparelhos para medição de HbA1c, aparelhos que permitam avaliar valores terapêuticos do INR nos doentes hipocoagulados, mais marquesas ginecológicas, etc…

    4º Faltam mais profissionais de psicologia e psiquiatras nos CSP, bem como consultores regulares de pediatria, ginecologia e reumatologia /ortopedia, que permitissem filtrar mais casos que iriam ser referenciados de forma desnecessária para os cuidados secundários.

    5º Promover cada vez mais estudos de avaliação de qualidade que permitissem que as usf’s percebessem onde estão a falhar e como poderiam corrigir certas ineficácias.

    6º Ajustar o número de consultas e o horário dos profissionais à população existente, reduzindo o acesso dos grandes consumidores de consultas desnecessárias e dando mais abertura a quem se queixa sistematicamente de demorar meses para conseguir uma consulta e que por vezes realmente necessita. Dotar os horários da tarde, depois das 17h para consultas de planeamento familiar e rastreios bem como para as consultas de saúde infantil e os doentes crónicos que estão a trabalhar e não podem dar ao luxo de faltar ao trabalho.

    7º Investir mais na formação de novas USF’s com médicos recém especialistas em vez de lhes oferecer contratos em empresas de prestação de serviços, pagos ao preço da chuva, trabalhando hoje aqui, amanhã acolá, ou então sendo encaminhados para a emigração pela porta pequena (o meu caso e de milhares de colegas recém especialistas ou internos de MGF).

    8ºA MGF é uma especialidade Médica particular porque acompanha os indivíduos desde que nascem até à sua morte, integrados no seu seio familiar e comunitário e exige por isso mesmo continuidade, não passando pela cabeça de ninguém, hoje ter um médico e amanhã uma cara nova. A ausência de uma equipa de profissionais treinada em que cada um conhece as suas competências é meio caminho andado para a realização de um bom trabalho. Não é necessário demonstrar que o investimento em CSP permite poupar centenas de milhões de euros nos cuidados secundários, onde os doentes andam perdidos de consulta em consulta, com sobreposição de ECD e sobretratamento por ausência de comunicação entre os colegas hospitalares.

    Daqui também uma palavra de apreço para outros dos patinhos feios da medicina: os médicos especialistas em medicina interna, o exemplo romântico mas sempre necessário de um verdadeiro Médico e não o especialista da unha do dedo mindinho do pé esquerdo, vulgarmente os superespecialistas. Quando maior for o investimento na formação destes superespecialistas e menor a formação em MGF e Medicina Interna, Cirurgia geral, Pediatria geral, Ginecologia, Ortopedia, Saúde Mental e enfermeiros especialistas em cada uma destas áreas, maiores serão os gastos em Saúde. Regredir por vezes tem vários benefícios e na minha opinião o adágio “back to basics” aplica-se como uma luva à Saúde.

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  3. Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE's avatar

    Caro Angelo Abel,
    Obrigado pelo seu comentário. Apenas três observações:
    a) na construção dos indicadores – não é conveniente deixar a sua construção a quem por eles vai ser avaliado e pago, deve ser dada margem de argumentação quanto aos indicadores que devem ser usados, mas a decisão pertencer a quem é avaliado é que convida à manipulação e a trabalhar para os indicadores; há claramente um caminho de princípios a estabelecer e a serem respeitados pelos indicadores, e dentro desses princípios acordar nos indicadores que fazem sentido. Em qualquer caso, será sempre conveniente ter um conjunto de indicadores comuns a todos, podendo adicionalmente serem considerados indicadores adicionais, esses sim diferentes (eventualmente) de unidade para unidade;
    b) aumento do conteúdo tecnológico dos CSP – o caminho delicado é conseguir fazê-lo sem que ocorra uma “corrida tecnológica”, criando duplicações de equipamentos e capacidade instalada não utilizada.
    c) superespecialistas – aqui a melhor forma é mesmo usar os sistemas de remuneração; se um superespecialista receber menos do que um especialista MGF rapidamente se deixará de ter superespecialistas. Deixar de pagar de acordo com os anos de estudo e passar a pagar de acordo com o valor da intervenção realizada é outra forma de abordar a questão. Mas a composição de especialidades é um problema a merecer alguma criatividade na procura da melhor solução.

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  4. Angelo Abel's avatar

    Caro Prof. PPB,
    Antes de mais um desejo de bom dia e de um resto de boa semana.

    Creio que me expressei mal em relação no ponto (a) dos indicadores e a sua observação serviu de todo para corrigir o modo como me exprimi.

    Concordo plenamente com a sua observação e creio que é no caminho de um conjunto de indicadores comuns aos quais seriam acrescentados, de um pool grande de indicadores possíveis, aqueles que mais se adequassem à população de uma determinada Unidade, podendo estes ser substituídos por outros quando se verificasse que os mesmos estavam a ser cumpridos de forma repetida ao londo de um período contínuo de anos. No entanto, parece não existir um diálogo franco entre os ACES e quem está acima dos ACES e quem está no terreno relativamente aos indicadores apropriados, à sua descrição e operacionalização dos indicadores e a metas realistas.

    Em relação ao ponto C, o professor que mais admirei durante os meus tempos de faculdade, era especialista em medicina interna, foi meu tutor no 4º ano e dizia que “nem todos os recém licenciados podem querer ser especialistas de cirurgia plástica em Cascais”. Se verificar um dia as listas de escolhas para especialidades, poderá constatar, que salvo algumas excepções, são escolhidas sempre em primeiro lugar as especialidades mais “superespecializadas” e com muitos procedimentos interventivos, nomeadamente dermatologia, cirurgia plástica, gastroenterologia, cardiologia, imagiologia, urologia, reumatologia,etc, ficando para o fim as especialidades mais generalistas.

    Além do desiquilíbrio que se verificou em anos anteriores nas assimetrias de distribuição de vagas hospitalares vs vagas CSP, tendencialmente os vencimentos globais dos superespecialistas são claramente superiores aos vencimentos dos MGF e dos médicos especialistas em Medicina Interna.

    Não se pede que os especialistas de MGF sejam equiparados em termos salariais a um super especialista mas existem diferenças muito consideráveis em termos de valor remuneratório global, o que provocou o efeito inverso: afastar os licenciados da especialidade, por ser muito trabalhosa em termos de conhecimentos gerais e de conhecimento médico, horas de trabalho e pouco aliciante em termos remuneratórios. I

    Por outro lado, a existência de um número elevado de superespecialistas leva a que os utentes com pluripatologia se sintam perdidos entre tantas consultas hospitalares, não tendo um fio condutor (ex: especialista de Medicina Interna ou MGF), correndo um outro risco acrescido de sobrediagnóstico e terapêuticas desnecessárias, no caso de um determinado especialista tentar “se imiscuir” na decisão de outro colega sem conferenciarem previamente, o que é algo que não é tão infrequente.

    Creio que as entidades reguladoras que determinam o número de vagas devem estar atentas às distribuições das populações em termos geográficos, à evolução da prevalência das patologias relativas à população mais envelhecida e adequar de forma séria o número de vagas para cada especialidade.

    Outras formas mais criativas que eu não domino, ao contrário do professor, podem e devem ser sempre usadas na procura da melhor solução, sendo este um bom tema para discussão também.

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