Momentos económicos… e não só

About economics in general, health economics most of the time


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recessão e saúde

Ainda a propósito da conferência da CNECV, um dos comentários feitos manifestava preocupação com a recessão económica e o seu efeito sobre o estado de saúde, citando como referência uma recente análise sobre a crise grega e a taxa de suicídios.

A este respeito, da relação entre recessão e o estado de saúde da população, há que ter algum cuidado nas relações e associações que existem e as que presumimos que existem. Uma regularidade detectada em vários trabalhos é a de que em termos agregados, as recessões económicas não estão associadas com uma deterioração dos indicadores de saúde da população. Este resultado pode parecer paradoxal, e merece por isso ser escrutinado.

Só para ser mais preciso, do estudo de Gerdtham e Rhum, 2006: “a 1% point fall in the national unemployment rate is estimated to raise total mortality by 0.4% and deaths due to cardiovascular diseases, influenza/ pneumonia, liver ailments, and vehicle accidents by 0.4, 1.1, 1.8, and 1.9%, respectively. These patterns are similar to, although generally somewhat weaker than, those obtained in Ruhm‘s (2000) study of the United States using comparable methods and data. ”

O que se passa então? primeiro, o tipo de causas de morte altera-se das recessões para os períodos de maior crescimento económico conjuntural – é importante distinguir as flutuações de curto e médio prazo, o chamado ciclo económico, das tendências gerais de crescimento. Como ficou patente no caso da Grécia, à semelhança de outros países e períodos, a crise económica gera um aumento de suicídios. Mas a crise económica também altera hábitos de transporte, de alimentação e até de exercício fisico (mesmo que não seja desporto). Como a mortalidade em acidentes de viação e em acidentes de trabalho é uma das fontes de anos de vida potencial perdidos, a redução da circulação automóvel reduz os acidentes e melhora os indicadores gerais de saúde da população.

Ou seja, se há um aumento de mortalidade associada com suicídios por um lado há uma redução de mortalidade associada com outras causas.

Dois comentários adicionais – este argumento é um argumento de base populacional. Do ponto de vista individual, a recessão leva a desemprego, e os desempregados têm em média pior estado de saúde do que outras pessoas de características similares mas empregadas. Há um custo de saúde, em termos individuais, de se estar desempregado.  Mas a nível agregado esse efeito aparenta ser compensado por outros aspectos de alteração de comportamento que se traduzem menores mortalidade. Deve ser dada mais atenção aos aspectos de saúde mental, por exemplo.

Segundo, este é um argumento de ciclo económico, de flutuações grandes à volta de uma tendência de crescimento económica. É uma relação diferente na sua natureza de no longo prazo o crescimento económico fornecer condições para um melhor estado de saúde da população, e de cada indivíduo dessa população.

A implicação desta evidência internacional é a de ser mais importante pensar nas intervenções da política de saúde, dados os recursos disponíveis, do que pensar que haverá uma pressão muito elevada sobre os recursos a utilizar apenas por causa da crise. Estejamos atentos à crise, mas não a transformemos no bode expiatório da despesa em saúde.

Vejamos o que temos de evidência nacional.

Como primeiro passo, construa-se um índice de conjuntura. Utilizei uma versão simples – fazer os desvios à tendência linear de evolução das taxas de crescimento real do PIB desde 1980. A tendência linear é ligeiramente negativa, e de alguma forma reflecte o menor potencial de crescimento da economia. A diferença entre a taxa de crescimento observada e o valor dessa tendência é a medida de conjuntura – terá valores positivos em épocas de expansão económica, e valore negativos em tempos de recessão.

Usando alguns gráficos simples tem-se como principais regularidades

a) a mortalidade bruta não tem relação com a fase de ciclo económico. O mesmo sucede com o indicador “anos de vida potenciais perdidos” (que mede o tempo de vida perdido prematuramente).

b) a taxa de suicídios está negativamente relacionada com a fase de ciclo económico – como sucede noutros países, a taxa de suicídio aumenta em períodos de recessão;

c) o número de acidentes de viação, a mortalidade e o número de feridos em acidentes de viação tem uma relação positiva com o ciclo económico – aumentam em momentos de expansão.

Os gráficos encontram-se no final do texto.

Os gráficos não contemplam outros factores que possam ser relevantes. Admitindo que um efeito de tendência permite captar esses outros factores de forma razoável, uma regressão linear simples de cada um dos indicadores acima na evolução do tempo e no indicador de conjuntura económica permite uma primeira abordagem aos efeitos, que vai para além da mera inspecção gráfica.

Os quadros referentes a essas regressões, usando todas as observações anuais disponíveis desde 1980, corroboram as conclusões da análise gráfica. (nota: alargar o período temporal não afecta as conclusões; para os anos de vida potenciais perdidos há observações em falta nos últimos 5 anos).

O que se pode então retirar?

Que os tempos de recessão trazem exigências diferentes ao Serviço Nacional de Saúde, sobretudo no campo da saúde mental – embora se tenha usado aqui o indicador de taxa de suicídio, é de admitir que o mesmo se passará com as depressões, por exemplo -, mas sem a sobrecarga agregada ser claramente diferente. Isto porque noutras áreas diminui a pressão sobre o sistema de saúde – por exemplo, os acidentes de viação reduzem-se, reduz-se a mortalidade com eles associada bem como o número de feridos, que são tipicamente tratados no Serviço Nacional de Saúde.

Ou seja, Portugal não parece ser diferente dos outros países, apesar de esta ser ainda evidência preliminar e que deverá ser aprofundada. Os tempos de crise não são necessariamente tempos de mais despesa ou de mais pressão sobre os serviços de saúde, são certamente tempos de uma pressão de natureza diferente.

Em termos de percepções dos profissionais e da população, a pressão acrescida nalgumas áreas é sempre mais visível e saliente que a redução de pressão noutras. Por isso mesmo, as análises devem ir para além das percepções e do “achismo”.

Por fim, deve-se ter em conta que não se pode daqui inferir relações entre custos de saúde no Serviço Nacional de Saúde e momentos de recessão económica, uma vez que as despesas no SNS dependem também da oferta de serviços que é feita, que tende a ser menor ou mais preocupada com os efeitos de despesa em tempos de recessão.

Referências

Rhum, Christopher J. “Are Recessions Good for Your Health?” Quarterly Journal of Economics 115(2): 617–50, May 2000.

Rhum, Christopher J. “A Healthy Economy Can Break Your Heart,” Demography 44(4): 829–48, November 2007.

Gerdtham, Ulf G., and Christopher J. Rhum. “Deaths Rise in Good Economic Times: Evidence From the OECD,” Economics and Human Biology 4(3): 298–316, December 2006.

Gráficos e Análise de regressão

Relação entre acidentes de viação e índice de conjuntura (valor>0=expansão): positiva

Relação entre taxa de suicídio e índice de conjuntura (valor>0=expansão): negativa

Relação entre mortalidade bruta e índice de conjuntura (valor>0=expansão): sem sentido definido.

Relação entre mortos em acidentes de viação e indicador de conjuntura (1980-2010): positiva, depois de descontada a tendência geral de redução da mortalidade em acidentes de viação.

relação entre feridos em acidentes de viação e indicador de conjuntura (1980-2010): positiva, depois de descontada a tendência geral de crescimento do número de feridos em acidentes de viação (embora muito ténue e praticamente estável em sentido estatístico).

relação entre número de  acidentes de viação e indicador de conjuntura (1980-2010): positiva, depois de descontada a tendência geral de aumento do número de acidentes de viação (embora muito ténue e praticamente estável em sentido estatístico).

relação entre a taxa de suicídio e  indicador de conjuntura (1980-2010): negativa, depois de descontada a tendência geral de redução da taxa de suicídio.

 

relação entre os anos de vida potenciais perdidos e o  indicador de conjuntura (1980-2010): não é diferente de zero – ausência de relação, depois de descontada a tendência geral de redução dos anos de vida potenciais perdidos.

relação entre a taxa de mortalidade bruta e  indicador de conjuntura (1980-2010): não é diferente de zero – ausência de relação, depois de descontada a tendência geral de ligeiro crescimento da taxa de mortalidade bruta (no limite da significância estatística).

 


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sobre dívidas, eternidade e crianças…

O André Barata escreveu um interessante texto no blog No Reino da Dinamarca, que gerou alguns comentários, e decidi adicionar os meus 2 cents à discussão:

 

O que o André escreveu corresponde em grande medida à minha reacção ao assunto: excessivamente empolado pela imprensa e comentários. Reflecte sobretudo uma reacção à pessoa mais do que às declarações.

Mas vejamos com mais atenção as declarações e a sua justificação.

Não há dúvidas sobre o pagamento de dívidas de particulares. Quem pede emprestado deve pagar, e o pagamento da dívida é algo que é devido.

Porque surge então a questão a nível agregado da economia?

Proponho que se pense a partir de uma situação simplificada, com dois grandes períodos de tempo na vida de cada pessoa, os anos mais novos e os anos menos novos. No primeiro desses períodos, pede-se emprestado, no segundo paga-se o empréstimo. Cada pessoa paga a sua dívida. E o que se passa em cada ano, em termos agregados da economia? havendo “mais novos” e “menos novos” em cada momento, significa que haverá sempre dívida agregada, mesmo que individualmente cada pessoa tenha que pagar as dívidas. E este efeito não depende sequer de existir ou não Estado que contraia dívida.

Ou seja, as dívidas têm que ser pagas, mas há sempre dívida agregada.

Coloquemos agora a dúvida de quem empresta sobre se a dívida será paga ou não. Então, deixará de emprestar, e esta “cadeia” que gera a dívida “eterna” quebra-se.

Se introduzirmos agora o Estado a pedir emprestado, em cada momento tem uma dívida a pagar, e pode estar a contrair nova dívida. Desde que haja quem empreste, vai-se refinanciando – mas quem toma os títulos de dívida num momento pode ser diferente de quem toma noutro momento. Neste sentido, também a dívida do Estado terá uma componente de “eternidade”.  Mas se se quebrar a confiança de que será paga a dívida emitida, não haverá tomadores (ou exigirão taxas de juro superiores) de nova dívida, quebra-se a “eternidade” da dívida também no caso do Estado. Um exemplo de uma quebra parcial desta “eternidade” foi a reacção à alteração das condições de taxa de juro e de resgate dos Certificados de Aforro. A perda de confiança dos cidadãos na “palavra do Estado” quanto a um dos seus instrumentos de obtenção de dinheiro (emissão de dívida) ainda não foi recuperada. Ficará sempre a dúvida de quando voltarão a alterar as condições. A reputação demora muitos anos a ganhar, e breves instantes a dissipar. E no caso do pagamento da dívida, a quebra de reputação de que se paga, quebra a aparente “eternidade”.

Tudo por junto, existe um elemento de verdade nas afirmações de Sócrates, no sentido de tender a existir uma dívida rolante a nível agregado. Mas toda a dívida terá de ser paga, independentemente de ser novamente contraída dívida ao mesmo tempo.

Se houve reacção excessiva às declarações, creio não haver dúvida (independentemente do julgamento que se faça sobre os últimos tempos da governação de José Sócrates).


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sobre o papel do banco central alemão (Bundesbank)

Recebi via email o seguinte comentário / esclarecimento sobre o papel do banco central alemão, no seguimento do meu texto anterior, que decidi partilhar com todos:

“O Bundesbank sempre fez retenção de dívida nas emissões na Alemanha, porque, entre outras, tem como função ser o garante do normal funcionamento do mercado secundário de dívida pública. A ideia não é (não era?) financiar monetariamente o défice, mas constituir uma reserva de activos no seu balanço para intervir no mercado secundário, se for esse o caso.

Em Portugal, o FRDP (Fundo de Regularização da Dívida Pública), para além de ser o canal através do qual o Estado gere o dinheiro das privatizações, também tem essa função de regularização do mercado secundário. Tem uma carteira de activos, e pode comprar/vendar dívida pública.

No passado, o BC alemão, mesmo quando existia procura volumosa pelos seus títulos, retinha parte da colocação. Não no sentido “perigoso” (para os alemães) do financiamento monetário do défice, mas de garante da estabilidade das taxas de juro no mercado secundário.

Entretanto, mesmo para a Alemanha, as coisas podem ter-se alterado!”


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E esta, hein? (ou… porque não copiar os alemães?)

Há dias, em conversa com um dos meus colegas que mais tem olhado para a situação macroeconómica portuguesa, Francesco Franco, e que tem contribuído para a discussão através do blog The Portuguese Economy, chamou-me a atenção para um artigo de Guido Tabellini, um dos economistas italianos mais importantes, em que refere o seguinte:

“At the time of writing, last week’s auction of German government bonds remains unsold. This is the latest confirmation of what is now widespread distrust. Yet, paradoxically, this could also help to unblock the situation, for two reasons:

  1. First, it has made clear to everyone that, despite its rhetoric, the Bundesbank actually continues to act as lender of last resort, at least temporarily, to the German state. The securities that remained unsold at the auction were absorbed by the Bundesbank, which has always played this role to ensure the liquidity of German securities.
  2. Second, this event could bring forward the point where even the ECB is convinced that financial stability comes before price stability. If the German central bank is forced to keep unsold debt on the balance sheet of its state, it means that it is time for a change in monetary policy. Not only cutting interest rates more decisively, but facilitating the purchase of government bonds in a policy of quantitative easing similar to that adopted long ago by the US Federal Reserve to support the economy and provide liquidity.”

o artigo completo pode ser lido aqui.

Não devemos menosprezar a importância do que aqui está dito:

1. A Alemanha já tem um mecanismo que cumpre o papel que a própria Alemanha não quer dar a potenciais instrumentos para toda a zona euro – “lender of last resort” – seja através do BCE ou de outra forma.

2. Se a Alemanha tem este mecanismo, nada impede que os outros países o possam simplesmente replicar, e assim toda a zona euro poderá beneficiar de uma das medidas apontadas como sendo necessárias – um “lender of last resort” que actua através do banco central de cada país absorvendo a dívida que não for colocada à taxa de juro pretendida.

3. Não deixa de ser surpresa como esta característica tem passado despercebida na discussão europeia, revelando falta de análise técnica e excesso de preocupação política. Pelos vistos, as soluções até já estavam a ser usadas desde há algum tempo pelo banco central alemão. O que tem impedido os outros países de copiar, simplesmente copiar, o esquema alemão?

4. A existência deste mecanismo alemão (é bom repetir que é alemão) mostra, por preferência revelada, a importância da estabilidade financeira, e será que a Alemanha quer pedir ao ECB e aos outros bancos centrais que tenham um comportamento diferente do que ela própria adopta na condução da sua política macroeconómica.

Não sendo especialista de Macroeconomia, pode-me estar a falhar aqui algum aspecto essencial, e por isso seria interessante que este ponto levantado por Tabellini merecesse atenção e discussão, por académicos, mas também por quem tem a condução da política económica em Portugal.

(post gémeo com No Reino da Dinamarca)


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nomeações de administrações hospitalares e o ponto 3.77 do MoU

No memorando 3.77 do Memorando de Entendimento vem “Improve selection criteria and adopt measures to ensure a more transparent selection of the chairs and members of hospital boards. Members will be required by law to be persons of recognised standing in health, management and health administration.” [Q4-2011]

Notícias várias discutem já a filiação partidária das nomeações que estão a ocorrer. (aqui e aqui, por exemplo).

É fácil partir daqui para discussões menos esclarecidas. Vale a pena por isso começar por enunciar alguns princípios:

1. Os cidadãos são livres de ter a sua filiação partidária. O exercício de funções em organismos públicos ou de nomeação pública não deve ser dependente dessa filiação.

2. Não há monopólios de competência por filiação partidária (ou de incompetência).

3. Transparência significa conhecimento dos motivos das escolhas, e quais os compromissos assumidos nessas escolhas e nomeações.

Face a estes princípios, as notícias tendem a arrastar a discussão para quadros de leitura de situações que vão contra o espírito pretendido (e aceite). Sem questionar as pessoas e as nomeações realizadas, a pergunta que deve ser colocada é: como está a ser assegurada a transparência, e quais os critérios de selecção usados? (usar como critério filiação no partido A ou B é um critério claro e transparente, desde que anunciado, embora seja difícil de ver como se poderá defender abertamente esse critério)

Até porque denegrir a imagem profissional no combate político desta natureza poderá afastar bons candidatos, qualquer que seja a sua filiação partidária.

Não deve ser difícil encontrar exemplos de boas práticas neste campo noutros países (confesso que não fiz uma busca exaustiva), mas pelo menos uma exposição assinada dos motivos da nomeação, ou uma proposta de nomeação assinada por alguém com a justificação, ajudariam a manter a discussão noutros termos. A assinatura poderia ser do Ministro, de um dos secretários de Estado ou de um dos Presidentes das Administrações Regionais de Saúde. Se houver carta de missão, também poderia ser colocada junto. E ter o curriculum vitae das pessoas nomeadas disponível.

Agora, a parte verdadeiramente curiosa é que tal pode ser feito e já existe o modo e o local de o fazer. Aliás, esse tipo de informação já existe. Por exemplo, tomando o Centro Hospitalar do Médio Tejo, na descrição do sector empresarial do estado, no site da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, essa informação já é prestada, mas com grande desfazamento temporal (ver aqui), pelo que na verdade bastará que haja o cuidado de cada nova nomeação para um hospital EPE implicar uma actualização que deveria ser iniciada automaticamente, para que muito do ruído se dissipe.

É impraticável que cada nova nomeação seja discutida na “praça pública dos jornais”, e a utilização da internet, actualizando a informação que é disponibilizada (note-se que não se está a criar nada de novo), constituirá uma forma de salvaguardar o cumprimento do ponto 3.77 acima. Claro que se poderá fazer mais, mas há um mínimo de procedimento que se deveria garantir.

(post gémeo com estado vigil)


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um momento de publicidade

está finalmente disponível o meu livro com Xavier Martinez-Giralt, da Universidade Autónoma de Barcelona:

Deu trabalho durante dois anos, e se voltasse ao início, há partes que escreveria de forma diferente, mas é sempre preciso colocar um ponto final em algum momento. E depois recomeçar, a pensar na próxima actualização.

Não pretende ser uma enciclopédia sobre economia da saúde, é antes um livro que reflecte a nossa investigação comum e as nossas preferências pelos tópicos a leccionar dentro da economia da saúde. É um livro técnico q.b. esperamos nós. Para enciclopédia avançada, haverá em breve o Handbook of Health Economics, e para dicionário, há este trabalho do Tony Culyer.

A relação com a editora do livro é muito curiosa, a ordem dos nomes nesta capa não corresponde à ordem dos nomes na versão publicada – trocaram algures no processo, mas ainda não conseguiram rectificar. Fizeram uma versão com capa dura, com outra capa (toda azul), e com o meu nome como Pedro Pita Barros enquanto nesta versão aparece Pedro Barros. Assim, se um dia virem uma referência a essa versão de capa dura, é a mesma coisa que esta de capa mole!! Ineficiências não são apenas característica nacional.


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dar tudo a todos

Das discussões da conferência organizada pela CNECV, ficaram no ar várias perguntas e comentários, que vale a pena tentar responder e tentarei ir fazendo isso nos próximos textos.

O de hoje é dedicado à frase “dar tudo a todos”, entendendo-se como dar todos os cuidados de saúde solicitados a todas as pessoas. Esta é uma posição que é obviamente simpático, e do qual não se discorda. O problema, o senão, é saber se é possível fazê-lo, se existem recursos suficientes para satisfazer esse objectivo por um lado. Também se pode contestar o próprio princípio na ausência de uma maior pormenorização do que se entende por ele.

Por exemplo, dar a alguém acesso a cuidados de saúde apenas por capricho ou prazer consumista, sem real necessidade clínica, é adequado? Provavelmente, dir-se-á que não.

Na interpretação de que “dar tudo a todos” significa “dar tudo o que for necessário  a todos”, então já se voltará a ter maior consenso. Só que este pequeno passo implica dizer o que constitui “necessidade de cuidados de saúde “, o que estará longe de ser fácil ou consensual.

Por exemplo, repetição de exames ao final de uma semana, radiografia ou outro exame de imagem, justifica-se ou não? Não se pode afastar a possibilidade de ter uma alteração relevante nesse espaço de tempo. Terá uma probabilidade muito pequena, tão pequena quanto queiramos, mas não é uma probabilidade nula. Ora, nesse caso existe um benefício clínico esperado positivo, em sentido probabilístico. No entanto, o custo de fazer essa repetição de exames excede largamente esse benefício – é desnecessário num sentido económico que envolve o baixo benefício e o desvio de recursos que poderiam ser usados noutro lado com maior benefício. A delimitação de onde se pára é que não é fácil. Mas literalmente já não se está a “dar tudo a todos”. Na verdade, o princípio aceitável parece apontar “dar tudo o que for necessário a todos, atendendo aos recursos disponíveis“, e a nossa discussão deve passar para o que deve ser o volume de recursos disponíveis, por um lado, e para a forma como se define necessidade, por outro lado.

Aliás, mesmo em termos éticos, a questão de “dar tudo a todos” pode ser discutida – uma vez que têm de ser obtidos recursos para “dar tudo”, assumir este princípio de forma totalmente literal, significa dar a cada cidadão o direito de tributar os outros cidadãos, num sistema que o “dar” é incumbência de um Serviço Nacional de Saúde financiado por impostos gerais sobre a população, para satisfazer toda e qualquer necessidade de saúde que entenda. Dificilmente aceitamos o princípio de que podemos ser tributados de forma livre por qualquer outro cidadão. Ou seja, não será apenas a “parte económica” da questão a ter relevância, também a “parte ética” de “dar tudo a todos” mediante financiamento por impostos é questionável.

O passo seguinte é como levar os conceitos de necessidade e de atender a recursos disponíveis ao processo de decisão. Essa será toda uma outra discussão, que passa inevitavelmente por informação e por normas de orientação clínica.


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o que fazer a 2 000 000 000 de euros?

a tentação de usar responsabilidades futuras como se tratasse de bilhetes premiados de lotaria é grande, o que me levou a escrever a contribuição de hoje para o dinheirovivo.pt (original aqui),

Velhos vícios que custam a desaparecer

05/12/2011 | 15:56 | Dinheiro Vivo

Nova School of Business and Economics

A “novidade” da semana foi a declaração do primeiro-ministro de um excedente de 2000 milhões de euros, que logo muitos se apressaram a querer gastar aqui ou ali. Ou a encarar este valor como uma folga orçamental.

Não deixei de ficar completamente baralhado com as reacções e os diversos anúncios. E de relembrar a frase emblemática da semana imediatamente anterior, “viciados em crédito”.

Mas vamos por passos. Este “excedente” resultou de uma medida extraordinária e irrepetível, e foi a forma encontrada de satisfazer o objectivo de défice orçamental para 2011. Mais uma vez, é a utilização de mecanismos extraordinários que permite colocar as contas públicas nos valores de compromisso internacional. Melhor assim do que não cumprir, mas pior do que cumprir sem necessidade destas medidas.

Sendo uma medida extraordinária tem uma contrapartida: a Segurança Social fica responsável por um pagamento futuro de pensões. Segundo o que foi dito, é um pagamento fixo, não suportando os riscos associados com o aumento dessas pensões. Ou seja, recebe-se a verba hoje a troco de pagamentos futuros. Ou ainda de outro modo, contrai-se um “empréstimo” hoje que será pago no futuro. Estas transferências de fundos pensões são apenas uma outra forma de o Estado continuar “viciado em crédito”, e de onerar os orçamentos futuros. Na impossibilidade de aumentar mais a tributação hoje, está aqui uma forma de usar já aumentos futuros de impostos.

Claro que há a esperança que a economia retome o crescimento, e que isso seja suficiente para trazer mais receita fiscal sem alterar taxas de imposto, mas não deixa de ser mais uma fonte de inflexibilidade futura da despesa pública (neste caso, transferências da Segurança Social).

Ora, nestas condições, o dito excedente conforta-me muito pouco. Não se adicione aos encargos futuros uma utilização dessa verba que não traga retorno que os ajude a pagar. Em lugar de serem usados para efeitos distributivos, este valor deveria ser usado para efeitos reprodutivos.

É este o desafio que se coloca, saber usar bem estes “impostos futuros”, embora o início de discussão pouco augure de bom. Nesta linha, o pagamento de dívidas do Estado (que além do mais têm juros de mora) é bem mais relevante nesta perspectiva do que aliviar a tributação adicional de 2011 (o equivalente a meio subsídio de Natal). Contribui também para resolver uma das exigências do Memorando de Entendimento que tem sido mais difícil de cumprir, apesar de só de vez em quando chegar às luzes da ribalta: os atrasos nos pagamentos a fornecedores do Estado. E temo que só o regularizar das dívidas leve bem mais do que os 2000 milhões de euros.

Medidas extraordinárias como esta transferência de fundos de pensões só alimentam os velhos vícios de um Estado “viciado em crédito”, mas pelo menos usemos esses fundos da forma que mais desonere os futuros orçamentos.

Nova School of Business and Economics

Escreve à segunda-feira


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reportagem do jornal Tempo Medicina

via Facebook (sinais dos tempos) e com foto, aqui, sobre o que falei na conferência do conselho nacional de ética para as ciências da vida.


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PIB e função pública

de repente, surgiu-me uma dúvida, depois de ouvir falar em mais austeridade, mais recessão…

O cálculo do PIB inclui actividades de mercados e actividades que não têm preços de mercado.

Um exemplo de actividades sem preço de mercado é a administração pública, a função pública.

Para as actividades sem preço de mercado, utilizam-se os custos de produção.

A função pública conta para o PIB de acordo com os seus custos de produção.

Reduzir salários baixa os custos de produção. Logo baixa o PIB.

Como o PIB baixa (recessão), tem que se voltar a reduzir os custos de produção, logo tem que se reduzir novamente os salários da função pública.

Será que estou a pensar bem, ou alteraram a forma de cálculo do PIB?

Podemos falar em recessão mecanicamente induzida? (para além do problema óbvio de sendo usados os mesmo recursos, desenvolvendo as mesmas actividades da mesma forma, o valor é menor porque se paga menos – o sistema de contabilização do PIB está criado para economias que estão sempre com os salários a crescer).

 

(para mais detalhes, ver os documentos aqui)