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revisão da lei da concorrência

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Foi recentemente colocada a consulta pública a nova lei da concorrência, aqui.

De um modo global, na parte de princípios económicos subjacentes e sua aplicação, a nova proposta de lei não gera grandes problemas. O elemento mais marcante é de colocar os “compromissos” como o elemento mais estruturante da actuação da autoridade da concorrência, o que torna o sistema exigente em termos de consistência de actuação por parte da autoridade da concorrência, mas também exigente em termos de verificação e monitorização dessa actuação. Havendo mais discricionaridade na actuação da autoridade da concorrência, as contestações tenderão a ser maiores e a focar em (eventualmente pretensa) discriminação injusta de umas empresas face a outras. A fundamentação técnica das decisões da autoridade da concorrência terá de ser muito clara, transparente e sujeita a escrutínio.
Sem prejuízo de uma leitura mais cuidada, junto algumas observações para discussão:

1. No Artigo 4º – Serviços de Interesse Económico Geral – como seria de esperar são excluídos da aplicação da lei os monopólios legais sempre que a aplicação da lei da concorrência tenha conflito com “a missão particular que lhes foi confiada”. A dúvida é o que significa “missão particular” e como clarificar. O ideal seria os contratos de concessão estabelecerem qual é essa missão. De qualquer modo como nunca se terá um “contrato completo”, no sentido de todas as contingências relevantes ficarem expressas, convém saber que posição de partida cabe a cada parte em caso de conflito – cabe à empresa demonstrar que um questionamento da autoridade da concorrência conflitua com a missão particular? ou é mais apropriado o contrário, a autoridade da concorrência ter de demonstrar que não conflitua para poder intervir?

2. No artigo 6º – Prioridades no exercício da sua missão – confesso que fico sem saber o que esperar do último ponto, a autoridade da concorrência ter que publicitar as suas prioridades para o ano seguinte sem referência sectorial. Não vejo o que possa ser escrito que não sejam princípios muito gerais, e provavelmente pouco úteis. Sobretudo se depois a actuação da autoridade da concorrência for confrontada com cumprir ou não essas “prioridades”.

Já a capacidade da autoridade da concorrência em definir em caso que lhe seja proposto o seu grau de prioridade de actuação é relevante, sobretudo num contexto de recursos escassos. Igualmente importante porém é ter a capacidade de justificar a prioridade atribuída a cada caso.

3. O artigo 21 dá a possibilidade de negociação entre a autoridade da concorrência e as empresas, para que se terminem práticas (ou os seus efeitos) que sejam lesivas da concorrência. Tem um lado positivo, permite uma maior celeridade de resolução de situações. Tem um problema, se não for público o resultado dessa negociação, poderá ser facilmente criada a ideia de que existe uma lei para uns e uma lei para outros. Mesmo que a aplicação da lei seja escrupulosamente igual para todos por parte da autoridade da concorrência, haverá sempre quem queira levantar essa suspeita (nomeadamente as empresas que não queiram aceitar compromissos), o que poderá vir a ser complicado de gerir e justificar ex-post.

4. A possibilidade de medidas cautelares é também uma ideia interessante, embora novamente possam surgir erros – o que fazer quando são impostas medidas cautelares que depois de análise se revelarem excessivas e danosas para as empresas? poderão ocorrer situações de irreversibilidade? não ficou para mim claro como estas situações serão geridas (ou simplesmente assume-me que existem erros?!)

5.Notificação de operações de concentração – mantém-se uma lógica de quota de mercado para além de volume de negócios, embora com alguns refinamentos, em que se descarta problemas quando não se crie uma quota de mercado superior a 50%. É um compromisso razoável. Excluir totalmente uma posição relativa das empresas criaria a ideia de que existem mercados pequenos demais para serem analisados, em que pequeno seria definido por um critério de volume de negócios. Obviamente não é uma situação perfeita. Por exemplo, não será difícil em que uma operação de concentração em que a quota de mercado passe de 97 para 98% tenha menos problemas do que uma outra em que se passe de 31 para 49%. A primeira situação tem que ser objecto de análise enquanto a segunda não. Desde que as decisões sejam consistentes, coloca-se apenas uma questão de uso de recursos. Porém, não existe uma regra absoluta, em que não se consiga desenhar um caso, mesmo que hipotético, que obrigue a excepção.

 

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Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

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