Aviso: este não é um texto sobre a atual crise das urgências e sim sobre aspectos do sistema de triagem nas urgências que poderá não ser conhecido, apesar de ter efeitos sobre os doentes que procuram o serviço de urgência.
A European Association of Health Economics tem a decorrer um seminário europeu, todas as semanas, terça-feira à hora de almoço (12h30 – 13h30 de Portugal).
Na passada terça-feira, 03 de outubro, Simone Ferro, da Università degli Studi di Milano Statale, apresentou um trabalho (conjunto com Chiara Serra) sobre o funcionamento das urgências, em concreto sobre o processo de triagem. Usando dados de episódios de 9 hospitais italianos, encontrou um efeito em que a triagem tem mais probabilidade de atribuir uma situação de menor prioridade no início dos turnos dos profissionais que estão a fazer triagem. Ao longo do tempo do turno, vão-se tornando menos exigentes para atribuir maior prioridade. Este efeito acaba por ter consequências, pois tendo menor prioridade não só esperam mais como são tratados como tendo condições menos graves. Acabam por regressar ao hospital mais frequentemente nos meses que se seguem. A triagem inicial, segundo os autores, influencia também a atenção que os médicos dão a esses doentes.
Os autores não distinguem se este efeito se deve a cansaço criado pelo tempo que se está no turno, se decorre do cansaço de ver um número crescente de casos ao longo do turno, ou se resulta da comparação de cada caso em triagem com os recentemente observados.
Não sei se este efeito também está presente, ou não, nos hospitais portugueses, e seria bom conhecer, pois ter melhor ou pior tratamento não deverá ser dependente do momento a que se chega ao serviço. A existir este efeito, significa que alguns casos poderão ser erradamente classificados como menos graves, ou seja, verdes e azuis, os tais que se quer deixar de atender nos hospitais. Para aperfeiçoar o processo de admissão à urgência hospitalar, além de rever o algoritmo de triagem, talvez seja relevante conhecer se este tipo de efeitos também existe. A informação necessária, recolhida por rotina nas admissões de episódio de urgência, provavelmente é já recolhida, mas não usada para gerar conhecimento que motive mudanças no funcionamento dos serviços. Fica a sugestão de que algum centro hospitalar com serviços de urgência com grande afluência faça esta, e eventualmente, outras “perguntas” aos dados que tem, e consiga depois ter a capacidade de aproveitar esse conhecimento para melhorar o serviço que presta à população.
Neste caso, consoante o motivo para a fadiga durante o processo de triagem, se este efeito estiver presente, diferentes estratégias podem ser adoptadas, desde turnos mais curtos a pausas coordenadas dentro das equipas, a maior apoio de instrumentos que contrabalancem o efeito.