O Governo revelou, através do Comunicado resultante do Conselho de Ministros de 07/03/2025, o início do processo de criação de 5 Parcerias Público – Privadas, envolvendo, de acordo com esse comunicado, “a gestão clínica das unidades de saúde de Braga, Loures, Vila Franca de Xira, Amadora-Sintra e Garcia de Orta,” e na apresentação referente a este comunicado, (minutos 1:29 – 1:50) são mencionados os hospitais (e não as Unidades Locais de Saúde – ULS). É uma diferença importante entre a redação do texto e as declarações feitas, pois “unidades de saúde” é suficiente amplo para poder significar Hospitais (parte das atuais ULS) ou as ULS na sua totalidade (o que incluiría os cuidados de saúde primários).
Esta resolução do Conselho de Ministros e as declarações seguintes concretizam o anúncio realizado na semana anterior pela Ministra da Saúde, clarificando vários pontos importantes.
1. As PPP a serem criadas são para a gestão (das atividades clínicas) de cinco hospitais. Quatro dele já tiveram o regime de PPP para a sua gestão. Três deles têm ainda em curso a PPP para a manutenção da infraestrutura (dado que a sua construção foi realizada em regime de PPP a 30 anos, ainda a decorrer). É um número equilibrado de PPP a concretizar, o que é importante para conseguir que haja interesse de parceiros privados com capacidade para assegurar a gestão destas unidades hospitalares (incluindo a capacidade de suportar o risco financeiro associado a essa gestão).
É importante que no processo de concurso público a ser seguido para a atribuição dos contratos de gestão destes hospitais venham a existir candidatos suficientes para que exista concorrência nesse processo. Ter 5 PPP estará provavelmente no limite superior do que permitirá ter essa concorrência.
2. Ficou claro que é a gestão dos hospitais, e não das unidades locais de saúde que está em causa. Significa que haverá 5 ULS que terão de se preparar para gerir os contratos de PPP que venham a ser estabelecidos. De outro modo, seria começar a desfazer o modelo ULS.
3. A construção deste processo demorará muitos meses (provavelmente, não menos de um ano, admitindo que há continuidade governativa neste processo, o que não é certo, neste momento, que suceda).
Várias reações têm surgido, que também merecem clarificação.
4. A reação de que se está perante uma “privatização” do Serviço Nacional de Saúde retoma um “engano usual”, pois sendo estes hospitais parte integrante do SNS, para o cidadão as condições de acesso irão ser as mesmas de qualquer outro hospital do SNS. Privatização seria a propriedade do hospital ser vendida a privados, e depois os seus serviços serem contratados pelo Serviço Nacional de Saúde.
5. Outra reação comum é o argumento de a gestão pública aparecer pior nas comparações porque “não tem os mesmos mecanismos de gestão que o setor privado”. Havendo realmente maiores restrições nas regras de gestão usadas no sector público, e podendo essas restrições explicar parte da diferença que tem sido encontrada (em trabalhos do Tribunal de Contas e da Entidade Reguladora da Saúde), a implicação frequentemente retirada é que em alternativa às PPP se deveria dar mais liberdade de gestão e mais autonomia as ULS (que têm atualmente a seu cargo a gestão dos hospitais). Ora, se é razoável pensar em ter mais autonomia de gestão nas ULS, também deverá ser reconhecido que há mecanismos associados às PPP que não são replicáveis apenas com essa maior autonomia de gestão. Ao entrar numa PPP, o parceiro privado assume risco financeiro, nomeadamente o risco financeiro de não ser tão eficiente como pensou inicialmente que seria e nesse caso, face ao contrato que assinou, poderá ter de enfrentar perdas. Essas perdas são uma força importante para que procure obter os ganhos de eficiência (significando ter menores custos para oferecer a atividade assistencial contratada, com os indicadores de qualidade acordados e verificados). Esta pressão financeira não existe da mesma forma sobre os gestores públicos, pois não têm de suportar diretamente as perdas financeiras que decorram de serem menos eficientes. Enquanto numa PPP, a entidade gestora corre risco financeiro, num hospital de gestão pública, é sempre o Estado que suporta o risco financeiro. E é precisamente para criar essa pressão para a gestão da PPP ser eficiente que é importante que suporte risco financeiro. Uma maior autonomia de gestão no sector público, que até poderá ser desejável, não é um substituto perfeito da pressão para ser eficiente que resulta do risco financeiro.
6. Do lado da defesa das PPP como instrumento de melhoria de gestão, surge normalmente o argumento de as PPP passadas terem resultado em poupanças para o Estado face ao que seria a despesa caso tivessem sido geridas publicamente (como não se observa esse resultado, o que teria sido a gestão pública que não ocorreu, é necessário comparar com um grupo de referência). Ora, nesse resultado de menores encargos orçamentais para o Estado resultante da utilização da PPP, misturam-se dois efeitos distintos: o Estado pagar menos porque esse pagamento resultou de valores contratados no início da PPP, de acordo com as expectativas de ganhos de eficiência das entidades concorrentres e que ganharam o concurso, e globalmente a PPP ter tido menores custos, incluindo eventuais perdas suportadas pelos parceiros privados. Aqui é útil ter um exemplo muito simples. Suponhamos que os custos (estimados) de prestação da atividade assistencial feita pelo sector público são de 120. E que o parceiro privado acredita conseguir ser muito mais eficiente na sua gestão, e propõe, na proposta vencedora do concurso, receber apenas 96 (20% de ganhos de eficiência face à estimativa de custos para a gestão pública). Contudo, a realidade revela-se mais complexa, mostrando que houve um excesso de optimismo do parceiro privado que ganhou o concurso, e os custos deste acabam por ser 114 (conseguiu ganhos de eficiêcnia de 5% apenas). Para o sector público, a PPP foi muito vantajosa, fez pagamento de 96 quando estimava gastar 120. Para o parceiro privado, a PPP revelou-se um mau contrato, recebeu 96 e teve custos de 114, encaixando perdas de 18. Nesta situação, a PPP é boa para o Estado não por causa dos ganhos de eficiência operacionais, e sim pela oferta inicial feita pelo parceiro privado (o qual “paga” pelo excesso de optimismo). Isto significa que efeito orçamental das PPP e eficiência operacional das PPP são conceitos diferentes. Claro que podem ir no mesmo sentido (se a eficiência ganha pelo parceiro privado neste meu exemplo tivesse levado a custos de 90, então todas as partes envolvidas estavam a ganhar).
7. Ligado ao ponto anterior, está o anunciado processo para um mecanismo de definição e cálculo de “comparador público”, isto é definir o valor máximo de pagamento a incluir no contrato de forma a que se registem ganhos em termos de menor despesa pública, deixando aos parceiros privados a tarefa de saberem e proporem antecipadamente um valor de remuneração pela sua gestão. É positivo que haja desde já a preocupação com o cálculo deste valor, que serve como ponto de referência – só serão aceites propostas de parceiros privados que envolvam um pagamento inferior ao valor do “comparador público” deduzido de ganhos de eficiência que se pretendam transferidos para o sector público.
8. Outra reação surgida foi a da necessidade de garantir o “acesso a cuidados de saúde com qualidade e segurança para os doentes”. Este é um aspeto importante, e deve ser incluído nos futuros contratos de PPP, tal como o foi nos contratos anteriores (e no ainda existente, referente ao Hospital de Cascais). O controle de qualidade e segurança dos cuidados prestados é uma parte central do contrato de PPP. E deverá aproveitar-se para que os mesmos indicadores de qualidade que venham a ser usados nestes contratos PPP sejam igualmente usados para aferir o desempenho das restantes unidades do SNS.
9. Foi também referido que a introdução desta vaga de PPP “tem como objectivo alimentar o debate político, numa eventual campanha eleitoral”. É provável que haja esse objetivo, embora não me pareça mal que seja conhecido como o Governo (a atual coligação AD) pretende avançar com esta medida do seu programa. Sendo uma decisão que é uma opção política, não pode passar sem uma preparação técnica que seja sólida e transparente, tanto mais que a experiência passada tem que ser atualizada para o contexto presente de existência de ULS.
Outros aspectos a ter em conta
10. É importante definir desde o início qual o modelo de acompanhamentos das PPP, e qual o envolvimento da Direção-Executiva do SNS neste processo, desde a parte de lançamento de caderno de encargos para cada PPP concreto, até ao treino e apoio aos necessários gestores de cada contrato PPP, que terão de estar presentes em cada uma das ULS que venha a ter um hospital gerido em PPP. Aqui é importante conhecer e aprender com as práticas dos anteriores gestores de contratos de PPP (e da atual PPP do hospital de Cascais) quanto ao contr ato PPP para a gestão das atividades clínicas. Aqui poderá ser útil ter um trabalho de sistematização e extração de lições por parte do PlanAPP – Centro de Planeamento e de Avaliação de Políticas Públicas da Administração Pública, que ajude depois na formulação do papel e do modelo de governo do acompanhamento da PPP.
11. É importante recolher, nesta fase, as diferentes avaliações e análises das experiências PPP, incluindo a evolução depois da reversão das três PPP de Vila Franca de Xira, Braga e Loures. A este respeito, deixo como leitura a análise da evolução de múltiples indicadores, realizada por Inês Lindoso, Back to the public: public private partnership hospitals in Portugal, que encontra diversidade considerável associada com a reversão das PPP. Também útil será o trabalho de Andreia Nunes, Eficiência e produtividade nas unidades hospitalares em Portugal: análise comparada dos regimes PPP e EPE, bem como outros trabalhos, estudos, artigos e teses de mestrad e doutoramento que têm sido realizados ao longo dos últimos vinte anos
A utilização de parcerias público-privadas é um instrumento à disposição do Serviço Nacional de Saúde, e é um instrumento útil, sendo necessária uma preparação profissional dos vários elementos e dos vários passos a serem dados para a sua concretização.

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