Tem sido evidente o caos criado pela recusa dos médicos em realizarem mais horas de trabalho extraordinário do que aquele que é devido, afetando dessa forma o funcionamento dos serviços de urgência no Serviço Nacional de Saúde, e gerando a necessidade de uma resposta de emergência.
A resolução deste problema não será fácil nem imediato, e sobretudo a solução imediata que seja encontrada não será provavelmente uma solução duradoura.
Quem olhar apressadamente para as notícias que circulam, daria a sensação que bastaria (?) ao Governo reatar negociações e aceitar aumentos salariais mais elevados para que o problema se resolvesse. Dificilmente esta é uma solução, e o risco de na pressão deste momento não se tomarem as melhores decisões é grande.
Como ponto de partida, se grande parte das urgências está a ser assegurada com recurso a trabalho extraordinário, e se há um limite de 150 horas anuais para os médicos terem de fazer esse trabalho extraordinário, deveria ter sido previsto, com tempo, que a sobrecarga de horas extraordinárias não se poderia manter indefinidamente, nem deveria ser o modo de funcionamento normal. Esperar que haja sempre disponibilidade de profissionais para trabalharem mais e mais não é uma boa forma de gerir os serviços.
Assim, qualquer solução deve partir do princípio de que as 150 horas de anuais em trabalho extraordinário deverão ser um recurso a ser usado em condições especiais, e não como parte do funcionamento base.
Há então que procurar soluções de natureza duradoura, que no caso das urgências devem ter três linhas – a primeira linha, a procura de serviços de urgência é a que deve ser, ou deverão ser facultadas outras respostas de acesso que reduzam a pressão sobre os serviços de urgência? A pergunta é sobretudo retórica, pois a resposta tem sido dada ao longo dos anos, de ser necessário reorientar o primeiro ponto de acesso para que não seja a urgência hospitalar. Face à falta de médicos de família nalgumas áreas do país, com destaque para Lisboa, é necessário encontrar soluções temporárias – e até existem propostas de grupos do SNS para o fazer, mas depois encontram o muro interno do SNS decorrente da aliança da burocracia e da indiferença. Entre melhor e mais contratação de médicos de família e reorganização, ainda que temporária, para dar maior capacidade de resolução de casos, deveria estar parte da resposta. Ainda neste campo, seria bom saber se a experiência piloto na zona da Póvoa do Varzim / Vila do Conde está a ser bem sucedida (está aqui o anúncio, não encontrei informação sobre os resultados).
A segunda linha é a, também frequentemente falada, criação de equipas de urgência dedicadas. Mais uma vez, aqui não se percebe bem qual o argumento técnico para não serem utilizadas, e não creio que fosse especialmente complicado definir e colocar em ação com rapidez, usando a experiência já existente nalguns hospitais. E dando depois o tempo necessário para uma estruturação do recrutamento e treino de mais equipas de forma mais generalizada. Em Janeiro de 2023, essa possibilidade foi colocada, mas não teve aparentemente sequência em termos de ação. Estas equipas terão maior capacidade de resolução, e são potencialmente menos perturbadoras da atividade normal do hospital.
A terceira linha de intervenção imediata, o tão falado funcionamento em rede, coordenado pela DE-SNS. A este respeito, o comunicado da DE-SNS, de 07 de outubro de 2023, disponível aqui, é lacónico, e não aparenta ter encontrado soluções concretas. Ou se as houve, não foram anunciadas neste comunicado. A intervenção da DE-SNS parece ser mais uma de “magistério de influência” do que “decisão executiva”. Mas mesmo sem os (famosos) estatutos (“missing in action”, não se sabe se realmente existem ou não, e se sim o que serão), seria útil que houvesse um sinal político de força à DE-SNS para tomar decisões executivas de coordenação da rede.
No meio desta complexidade, será de evitar criar mais problemas. Aceitar, como parece ter sido o caso segundo os meios de comunicação social, que o horário base dos médicos passa de 40h para 35h por semana significa, aritmeticamente, a necessária de recrutar 1/8 face ao existente de médicos hoje, só para manter o que está a ser feito. Não parece que possa ser realizável nas próximas semanas. A menos que o que um diz não é o que outro ouve (ou quer ouvir). Já agora seria interessante ter a atualização da informação no portal da transparência do SNS sobre as horas extraordinárias, em que acordo com a informação disponível no portal a última atualização foi feita a 26 de setembro de 2023 16:00, mas os dados mais recentes referem-se desde há muito tempo a 2017 (será que a rotina de atualização automática dos dados não está ela própria atualizada?)A discussão da semana de trabalho terá de ser feita num contexto de discussão para tempo longo. E se é certo que as negociações entre sindicatos e Governo terão de ser retomadas (deveria ser a DE-SNS a conduzir as negociações com os profissionais do SNS?), pelo menos que cada parte siga uma regras simples “só prometer o que pode cumprir, cumprir o que prometer”.
9 \09\+00:00 Outubro \09\+00:00 2023 às 16:15
Na ARS norte não exite falta de medicos de familia mas as a afluencia às urgencias existe.
E a afluenicia às urgencias até não tem aumentado. O que existe é menos recursos nas urgências
E as urgências são a ponta do iceberg mediaticamente visivel . A invesivel é a falta de médicos hospitalares nas consultas nos hospitais que em algumas areas já têm mais de 2 anos de espera.
Neste caos o governo acaba com as ARSs e avança para as ULSs. Sei que está a promover um estudo sobre o tema. Pergunta : Quanto tempo irá demorar a criar e aprovar os estatutos de cada ULS? E a nomear os seus Conselhos de Admnistração? E depois a fazer, negociar e aprovar os planos de atividades e orçamentos? Para não falar no encontrar a formula de pagamento por capitaçâo anunciada?
Ps Em Lisboa onde há 100 000 utentes sem MF o problema resolvia-se dandi condiçoes aqules que têm .F no privado pudessem optar por este deixando vaga no SNS para quem não tem MF. E o Estado nem tem que pagar nada. Apenas permitir que os MFs privados possam passar exames complementares pelo SNS, passar baixas e refereciar para os hospiais do SNS àqueles que não têm MF no SNS.
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17 \17\+00:00 Outubro \17\+00:00 2023 às 08:55
Sobre ULS, preparei uma apresentação para o 14 Encontro Nacional das USF (ver post mais recente). Se o passado for tomado como guia é provável que em Dezembro de 2024 ainda estejam a ser aprovados planos de atividades e orçamento das ULS. O cálculo da fórmula de pagamento por capitação ajustada deverá em princípio ser rápida, pois os fatores de ajustamento são poucos (pelo menos por agora). Sobre a solução para os utentes sem MF, há que encarar soluções temporárias, que resolvam falta de acesso no imediato, e soluções permanentes, que tenham a capacidade de estabelecer uma relação de longo prazo entre o utente e o MF. Nas soluções temporárias, há várias modalidades que podem ser usadas, e são usadas na medida em que não ter MF não significa que, em vários locais, não se seja atendido nos cuidados de saúde primários, não há um seguimento regular pelo mesmo médico. O problema é mais sério quando não se consegue ter acesso a qualquer médico nos cuidados de saúde primários. O recurso aos médicos no setor privado é uma solução de curto prazo. Para ser uma solução de longo prazo, precisa de um enquadramento contratual de longo prazo (uma espécie de mini-PPP, ou uma variante do modelo C que não se quis criar). Com a organização em formato ULS, torna-se mais complexo fazer essas mini-PPP com os MF do setor privado.
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9 \09\+00:00 Outubro \09\+00:00 2023 às 16:16
antonioalvim@netcabo.pt
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10 \10\+00:00 Outubro \10\+00:00 2023 às 11:20
O que é uma urgência?
Porque parecem ser coisas muito diferentes do ponto de vista adminsitrativo e do ponto de vista clínico.
Enquanto os serviços de urgência hospitalares forem serviços rápidos sem critérios de exclusão, dificilemnte seão tratados pela população como algo que não um McDrive…
Depois outra questão.
O modelo actual de financiamento das urgências incentia os hostpitais a investir noutras formas de resposta no próprio dia (hospitais de dia, por exemplo de medicina interna, para lidar com descompensações de insuficiências orgânicas ou doenças autoimunes; onde teriam melhor resposta que vistos num SU por um clinico random que não conhece o caso)?
Ou em termos financeiros, até é interesante para os hospitais produzirem muita consutla em SU?
Temos uma linha de triagem telefonica.
Temos “vias verdes” de urgência deficnidas.
Temos iemnos médicos no país (SNS + privados).
Mesmo que tivessemos os recursos humanos que precisamos nos CSP, alguém teria coragem de fechar a porta aberta do SU, e só deixar entrar os referenciados, vias verdes, traumatismos / feridas sangrantes, ou casos que sãod e caras “urgentes” ou emergentes (vulgo dos quais resultaria morte, dano permanente, sofrimento intolerável se não abordados no curto prazo)?
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17 \17\+00:00 Outubro \17\+00:00 2023 às 08:47
A ideia de “fechar a porta” aos “verdes” e “azuis” da triagem de Manchester está a ser testada no Norte do país, na zona de Póvoa de Varzim / Vila do Conde. talvez seja o tempo de se conhecerem os primeiros resultados. Sobre o modelo de financiamento das urgências, não será benéfico para o hospital – isto é, não deverá ter ganho financeiro com fazer mais urgências. Contudo, como com os pagamentos em atraso e sua regularização regular todos os anos, a pressão financeira para não ter urgências basicamente desaparece.
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