Justificação: Nota prévia: os profissionais de saúde dos cuidados de saúde primários (CSP) têm pouco impacto na alteração dos comportamentos dos seus utentes, mesmo que com acompanhamento regular. Os CSP têm um papel central na gestão da doença e diagnóstico precoce, menor na prevenção de doença futura (ou ‘promoção da saúde’), e nisto, as políticas de saúde (pública) têm maior impacto e devem ser consideradas separadamente, mesmo que integradas com os resultados da saúde da população.
Para além do efeito positivo que a diminuição das desigualdades socioeconómicas teria na saúde da população, outros incentivos à adopção de hábitos saudáveis podem ser mais custo-efectivos a longo prazo (redução da carga da doença evitável em serviços de saúde – foco nas doenças que causam maior morbilidade/mortalidade – doenças cardiovasculares, obesidade):
- Criação de incentivos fiscais ‘positivos’: embora a ‘sugar tax’ esteja genericamente a ter bons resultados nos países onde tem sido implementada e avaliada, não deixa de ser penalizadora. Medidas de redução de impostos ou a criação de mecanismos de apoio para os consumidores e produtores locais (agricultura sustentável), em alimentos não processados, que incentivassem a sua produção e consumo podem ter um efeito benéfico na população.
- Dificultar o acesso a produtos nocivos (não apenas por aumento de impostos ou proibição), como álcool e tabaco (e neste último, bom caminho tem sido feito), por ex., com restrição de locais de venda e maior fiscalização de venda a menores. Importantíssimo considerar a opinião pública e fazer uma boa campanha de marketing destas medidas.
- Flexibilização de horário laboral/ presença no local de trabalho, sobretudo para camadas socioeconómicas mais baixas – não é possível fazer boas escolhas para a saúde quando a jornada de trabalho (deslocação + horário laboral) é de 12h diárias e se recebe o salário mínimo, por exemplo.
- Investimento na mobilidade nas cidades e vilas: transportes públicos, bicicletas e zonas pedonais com espaços verdes e de convívio (veja-se o óptimo exemplo de Barcelona). Tem múltiplos efeitos; diminui a poluição, aumenta a actividade física diária em algumas camadas, promove utilização comunitária de espaços, que tem alguma evidência comprovada de efeito na saúde mental.
Entidades envolvidas: Direção-Geral da Saúde (DGS) e Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) (necessário na monitorização e modelização de efeitos de políticas públicas na saúde das populações; deveria haver sempre uma avaliação independente prévia ao desenho das políticas, bem como de identificação de problemas e prioridades). Ministério das Finanças, Ministério da Saúde, Governo,
Municípios, Indústria e empresas dos diferentes sectores
Calendarização de aplicação da proposta: Longo-prazo: 24 meses – 5 anos – continuamente (ir revendo prioridades e adaptando políticas consoante resultados em saúde da população, e medidas aplicadas noutros países)
Dificuldade de concretização:
| técnica | política | custo |
| elevada | elevada | elevado |
Que entidade deverá fazer o acompanhamento da concretização da proposta? INSA-Direção-Geral da Saúde (DGS), Ministérios
Proposta por Maria Rita Paiva Pessoa
10 \10\+00:00 Fevereiro \10\+00:00 2024 às 23:13
Penso que a melhor medida apresentada; embora seja na continuidade do que se tem vindo a fazer. Sendo de destacar as medidas antitabágicas implementadas. Mas sim este é um caminho a fazer.
Eu retiraria a palavra crónica do título. Ela é introduzida numa visão da gestão do Sistema de Saúde pelo seu peso, mas o principal objeto deve ser a saúde de cada cidadão. E há muitas doenças que não são crónicas e que podem e devem ser prevenidas.
Por outro lado o texto menoriza o importante papel que os CSPs desempenham já hoje na promoção da saúde. Como exemplos as consultas de vigilância e ensino de saúde infantil e saúde materna. A vacinação
E o trabalho individualmente feito em cada consulta, quer pelo Médico de Família quer pelo Enfermeiro. O sucesso resulta da conjugação das medidas da saúde pública com o trabalho com cada utente, com uma potenciação múltipla.
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11 \11\+00:00 Fevereiro \11\+00:00 2024 às 13:54
Agradeço os comentários. Quanto ao uso da palavra crónica, penso que os exemplos de medidas apresentadas se focam sobretudo neste tipo de doenças, não sendo medidas de vacinação (por exemplo), que como refere, são desempenhados pelas equipas dos CSPs. Concordo inteiramente quando destaca a relevância do efeito da conjugação das medidas de saúde pública (e saúde em todas as políticas: https://www.who.int/activities/promoting-health-in-all-policies-and-intersectoral-action-capacities) com os esforços de prevenção primária e secundária dos CSP; não quis de modo algum menorizar o papel destas equipas, apenas destacar medidas “upstream” que têm maior impacto a nível populacional (veja-se: Frieden TR. A framework for public health action: the health impact pyramid. Am J Public Health. 2010 Apr;100(4):590-5. doi: 10.2105/AJPH.2009.185652)
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10 \10\+00:00 Fevereiro \10\+00:00 2024 às 23:22
enquanto conceito parece-me das mais importantes do conjunto: prevenção é essencial mas a principal prevenção está antes dos cuidados de saúde, está na política e na saúde pública, enquanto que os CSP devem ser focados na gestão da doença e diagnóstico. Isto é básico mas não está interiorizado, nem sequer nos próprios CSP onde germina uma fação de profissionais que defendem ser a prevenção a sua principal função e que sobrestimam a sua capacidade preventiva e o seu impacto nos comportamentos dos pacientes. Por isso que esta medida carece de muito marketing dentro do próprio sistema e entre os profssionais.
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11 \11\+00:00 Fevereiro \11\+00:00 2024 às 13:36
Agradeço o comentário e observações. Quando diz que não está interiorizado [prevenção é essencial mas a principal prevenção está antes dos cuidados de saúde, está na política e na saúde pública, enquanto que os CSP devem ser focados na gestão da doença e diagnóstico], o que falha? É geracional? Objectivos e missão dentro das próprias unidades, formação contínua? A mudança para USF modelo B, por exemplo, pode ajudar os profissionais a mudarem o paradigma? Concordo inteiramente com o uso da palavra “marketing” – saber “vender” ideias, objectivos concretos, missões, é muito importante e normalmente considerado “gasto desnecessário”. Acrescento que há estudos nestes âmbitos de actuação dos CSP que poderiam ser feitos para compreender (e demonstrar) a sua efectividade, de forma a poder melhorar estratégias.
(Maria Pessoa)
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17 \17\+00:00 Fevereiro \17\+00:00 2024 às 22:29
Cara Maria Pessoa, peço desculpa por só conseguir responder agora à sua questão «o que falha?». diria que não é geracional porque a fação a que me referi no meu comentário germina em várias gerações. diria que haverá múltiplos factores:
– talvez o modelo USF contribua ao pagar bem pelo desempenho de vigilâncias a pessoas saudáveis e pela vigilância a la carte de algumas doenças crónicas, e não por funções core do médico de família dificilmente tangíveis como o de ser o primeiro contacto com o sistema de saúde quando há um problema de saúde, ou o de ser o coordenador de cuidados nos pacientes com multimorbilidade
– provavelmente também uma deriva na formação, em que a prevenção e o impacto da maioria dos ‘aconselhamentos’ é sobrevalorizada
– possivelmente também a sobrecarga de trabalho que os MF sofrem, quando o tempo é manifestamente curto fazem-se escolhas
Em qualquer dos casos, a prevenção faz parte (porque nada está fora do âmbito da MGF) mas não é a razão de ser disciplina. Mudar isso é mudar os fundamentos da MGF, uma disciplina que se define em termos de relações: os MF são responsáveis por cuidar das pessoas ao longo da sua vida, sendo geralmente o primeiro contacto quando surge um problema de saúde, abordando problemas agudos ou crónicos, considerando o contexto da pessoa, a sua família e a sua comunidade e coordenando cuidados quando estes são prestados por profissionais diversos.
Concordo que «há estudos nestes âmbitos de actuação dos CSP que poderiam ser feitos para compreender (e demonstrar) a sua efectividade, de forma a poder melhorar estratégias.» Que eu saiba em termos de aconselhamento em consulta, por exemplo, apenas está validada a eficácia do aconselhamento para cessação tabágica, e mesmo assim não ecxactamente da forma que ela é’pontuada’ nas métricas de desempenho em vigor.
(Mónica Granja)
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12 \12\+00:00 Fevereiro \12\+00:00 2024 às 22:45
Da frase introdutória discordo parcialmente; nos Cuidados Saúde Primários (CSP) temos Médicos de Família e Enfermeiros motivados e com formação para consultas de cessação tabágica, por exemplo. E em consulta de adolescentes o tabaco e o consumo de bebidas alcoólicas são temas essenciais, sempre abordados. Acredito que os CSP têm impacto na alteração dos comportamentos dos seus utentes.
Concordo contigo que a Saúde Pública tem que atuar na sociedade, apoiada em legislação e políticas de saúde fundamentadas em conhecimento científico.
A propósito do dia mundial do cancro de 4-2-2024, muita tinta correu sobre rastreios e tratamentos, mamografias etc . O mais difícil de sair do papel parece ser o que escreveu a Médica de Saúde Pública/deputada do Parlamento Europeu Sara Cerdas relativamente a oncogénicos conhecidos como o tabaco e álcool:
https://healthnews.pt/2024/02/04/sara-cerdas-e-uma-frustracao-nao-termos-politicas-baseadas-na-melhor-evidencia-cientifica-porque-a-direita-nao-permitiu/
Para além dos conhecidos Determinantes sociais de saúde, o The Lancet em 2023 lançou edição com temática muito relevante – Determinantes comerciais de saúde – que me parece muito relevante nesta área que te preocupa.
Gilmore AB, Fabbri A, Baum F, Bertscher A, Bondy K, Change HJ, et al. Defining and conceptualising the commercial determinants of health. Lancet. 2023;401:1194-213.
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