Na semana passada, a Fundação Francisco Manuel dos Santos realizou um encontro dedicado à democracia. Uma das conferências esteve a cargo de Ian Shapiro. O primeiro ponto da discussão de Shapiro foi genérico, baseado em alguns números, para dizer que nunca se viveu tanto em democracia como nos dias de hoje.
E depois dessa introdução entrou numa análise da evolução do sistema partidária, com recurso ao exemplo do que sucedeu nos Estados Unidos com a seleção dos candidatos presidenciais. Aqui, apresentou dois grandes motivos para o aparecimento de candidatos como Trump. De um lado, a evolução da envolvente económica: as transformações e mudança de sectores relevantes com a globalização, os problemas trazidos pela evolução tecnológica para o tipo e remuneração de postos de trabalho e a concentração crescente de riqueza. Os afectados e descontentes acabam por convergir em candidatos anti-sistema.
O segundo factor, e ao qual dedicou mais tempo, foi o de “más práticas democráticas”, ou de como a adopção de regras que parecem aumentar a transparência da actividade política podem levar a polarização que se assiste, e em que na verdade as plataformas de ação política acabam por ser determinadas por grupos minoritários relativamente activos. O argumento central que Shapiro trouxe é simples – quando dois partidos estão em concorrência para governar, essa concorrência eleitoral entre eles fá-los convergir para posições intermédias como forma de ganharem eleitores ao outro partido – é a velha ideia de as eleições conquistam-se ao centro.
Quando os partidos procuram aumentar a sua transparência com processos internos de eleição, onde candidatos internos explicitam as suas plataformas, então o crucial para cada candidato é ganhar o “centro” do seu partido, que é forçosamente distante do “centro do eleitorado”, criando assim polarização em vez de convergência. Esta polarização, por seu lado, irá tornar mais difícil qualquer acordo de governação. A concorrência intra-partido acaba por se substituir à concorrência inter-partidos. E a concorrência intra-partido procura satisfazer os eleitores internos dos partidos, produzindo clientelismo e a dita polarização. O efeito de se procurar a transparência como forma de aproximar os cidadãos dos partidos tem como resultado uma polarização e um funcionamento interno na procura de ser eleito no seio do partido que afasta os cidadãos que não se envolvem nessas eleições internas. E as políticas que são propostas pelos partidos nestes processos acabam por ser menos representativas do que antes.
A proposta de Shapiro é que em vez de se estar sempre a mudar o sistema de funcionamento dos partidos para responder ao último problema detectado, se deveria procurar perceber de uma forma mais genérica que tipo de funcionamento dos partidos leva a uma melhor democracia, levar os partidos a pensar mais no longo prazo e nas ideias que podem ser usadas para governar mais do que nos aspectos que garantem a eleição interna.
Declaração de interesses: sou coordenador da área de políticas sociais da Fundação Francisco Manuel dos Santos.
11 de Outubro de 2016 às 10:31
Tenho pena de não ter ido (aliás, tenho pena de não ir a nada da FFMS, mas Lisboa é muito longe), até porque “fiz” (bem, ouvi) o curso online da Yale dele sobre as fundações morais da política e é absolutamente fabuloso (e recomendo vivamente, já agora).
Esse afastamento do centro devido às primárias será verdade, mas não sei se explica tudo: o afastamento tem sido quase geral nos países ocidentais e nem todos têm sistemas de “primárias internas”.
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11 de Outubro de 2016 às 10:38
Creio que a FFMS permite ver o que foram as conferências deste dia online 🙂
O ponto mais geral é que mecanismos de transparência interna dos partidos geram eleições internas que polarizam aí e impedem depois a aproximação à maioria do eleitorado. E nesse sentido a ideia de “primárias” tem sido bastante mais geral do que o processo pelo qual são definidas nas candidaturas presidenciais nos Estados Unidos.
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