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Sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde (3)

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O primeiro capitulo do relatório da OECD tem como titulo “sustentabilidade orçamental dos sistemas de saúde – porque é uma questão, o que pode ser feito?”, e será por isso o capítulo central de todo o documento. Aliás, é assinado como OCDE e não por indivíduos, dando conta de ser uma posição oficial da organização e não dos seus autores individuais.

Na introdução coloca as principais conclusões, que serão posteriormente sustentadas. E esta introdução é clara no que diz, mesmo quando mostra que os prefácios não se encontram completamente alinhados com as conclusões retiradas do trabalho técnico. Traduzindo de forma livre, é dito que o rápido crescimento das despesas em saúde têm sido amplamente entendido como resultando de aspectos tecnológicos e de riqueza/rendimento crescentes, como a demografia (leia-se envelhecimento) e as características institucionais como sendo factores relevantes mas muito menos relevantes.

A primeira grande conclusão apontada está ligada ao contexto e não às despesas em saúde por si só. Refere que a sustentabilidade orçamental exige que os governos façam uma gestão credível das finanças públicas (toda a intervenção pública). Os sistemas de saúde colocam desafios devido aos custos crescentes que exercem pressão sobre as finanças públicas, sendo decorrentes sobretudo dos novos tratamentos e da pressão permanente para melhoria nos cuidados de saúde prestados. E a referência ao envelhecimento surge não pelo lado da despesa mas pelo lado da receita, devido à redução de contribuições que possa gerar (sobretudo nos países em que as contribuições são uma proporção dos ordenados das pessoas activas).

A conclusão seguinte mais do que conclusão é uma constatação – os agentes políticos têm três formas de assegurar a sustentabilidade orçamental dos sistemas de saúde – obter mais contribuições para financiar as despesas de saúde (suponho que estarão aqui a falar de contribuições específicas, o que é difícil de realizar com impostos gerais), de melhorar a eficiência da despesa pública em saúde (isto é, com a mesma despesa assegurar a expansão de tratamentos e melhoria dos cuidados de saúde prestados) e reavaliar as fronteiras da despesa pública e da despesa privada (e teremos que ver adiante em que se traduz exactamente esta ideia). Importante é a afirmação que encerra este parágrafo: cortes de despesa cego (tipo 10% em todas as despesas) é uma forma de responder às pressões orçamentais mas que provavelmente terá efeitos negativos.

Termina a introdução deste capítulo, certamente não por acaso, com a referência a que os cuidados de saúde são muito valorizados pela população, pelo que um aumento da despesa em saúde não é automaticamente um problema, em particular se os cidadãos estão disponíveis para pagar esse aumento via aumentos de impostos (sic) ou cortes nas outras áreas da despesa pública. O desafio que identificam é assegurar que qualquer aumento na despesa pública respeita as restrições de sustentabilidade orçamental e tem benefícios que compensam esse aumento de despesa. A importância desta conclusão não deve ser subestimada – o objectivo dos sistemas de saúde não é a sustentabilidade orçamental, esta é uma restrição ao que se pretende fazer, pelo que dentro dela se tem que encontrar a melhor forma de utilizar os fundos disponíveis, e isso significa fazer escolhas e estabelecer prioridades. O processo pelo qual se fazem essas escolhas não deverá ser o que é mais visível politicamente ou mediaticamente (hoje estas duas coisas são quase a mesma, mas mantenhamos a distinção). E não se exclui que possa haver um aumento de contribuições, se for essa a preferência social. No caso de Portugal, o facto das despesas em saúde do Serviço Nacional de Saúde serem financiadas por impostos gerais (a verba sai do Orçamento do Estado e não de uma contribuição específica) tem a vantagem de não ficar dependente do número de pessoas activas na população (o efeito negativo de envelhecimento apontado a propósito de outros países), mas tem a desvantagem de qualquer contribuição específica poder ser “apropriada” pelas outras áreas de despesa pública através da redução da componente financiada por impostos gerais.

(continua)

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

3 thoughts on “Sustentabilidade financeira dos sistemas de saúde (3)

  1. Boa tarde, gostei muito do texto apresentado, mais uma vez tem não só o condão de nos informar, como principalmente provoca o pensamento para além dos chavões habituais.
    Como medico radiologista noto nos últimos anos um aumento significativo no número de exames que fazemos, especialmente dos mais complexos como TAC’s e RM’s, com maior dispersão de indicações clínicas e uma maior dificuldade na manutenção de uma actividade estruturada que inclua a consultoria e definição de indicações para os exames. Creio que aqui há fonte imensa de desperdício e risco para o doente por atrasos em diagnósticos, risco (exemplo manobras interventoras desnecessárias) e menor tempo para cada exame.
    Alguns pontos de discussão já abordados em outros países e que aqui desconheço:
    1) aumento de salários, mas com variáveis incluindo prêmios por redução de exames desnecessários;
    2) porque e que o Estado paga exames radiológicos pedidos sem informação clinica? Deveriam existir medidas drásticas neste ponto
    3) Faltam discussões aprofundadas sobre o papel de cada especialidade e formas de organização interdisciplinar (sem isto não há coordenação possível), se bem que neste ponto estamos melhor que há uns anos;
    4) Faltam parâmetros de qualidade clinica quantificados, para além dos habituais, morbo-mortalidade, etc. Exemplos tem sido a avaliação da homogeneidade da qualidade clinica num determinado departamento, ou o uso de ferramentas subjectivas, como a existência de reuniões, publicações, etc. Proposta: ratings e não rankings de serviços.

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