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publicação académica e empreendedorismo a mais, ou como o “empreendedorismo” prejudica a ciência

6 comentários

Este não é um texto sobre as tão faladas ligações entre universidade e mundo empresarial. Este é um texto sobre spam e fraude científica.

Nos últimos meses tem vindo a subir o número de mensagens de spam de pretensas revistas académicas de ciência, nomeadamente da SciEdu – com o argumento de “open access”, se eu pagar umas quantas centenas de dólares poderei disseminar a minha investigação numa revista dita científica. Nestas revistas, o processo de “controle de qualidade” dos artigos (o chamado processo de revisão pelos pares, “peer review” soa melhor a tradução) é basicamente inexistente e existe já um site dedicado a listar as entidades, os empreendedores, que criam estas “casas editoriais” e as revistas que publicam, que têm recebido o nome de revistas predatórias. O site Scholarly Open Access (também conhecido como Beall’s list  (por ter sido criada por Jeffrey Beall) reporta casos conhecidos de “editoras cientificas predatórias“, em que o modelo de negócio consiste em fazer autores pagarem a publicação em supostas revistas científicas, como forma de “aumentarem” linhas no seu CV.

Com a “quantificação” do mundo académico – quantos artigos em revistas internacionais ? – em vez do contributo – o que avançou no conhecimento a investigação feita? – surgiu uma oportunidade para os empreendedores – criarem editoras.

Como a quantificação e pretensa objectividade também é usada nos concursos académicos (basta ir ver os editais de concursos, por exemplo, fazendo no google uma busca por: concurso para professor associado + edital), resulta que mais cedo ou mais tarde estes próprios concursos irão ser afectados por este “empreendedorismo” na publicação científica – candidatos com muitas publicações “compradas” irão querer ser preferidos, e contestarão decisões onde estas publicações sejam “desclassificadas” ou pelo menos muito desqualificadas. A parte séria e preocupante é que facilmente se poderá passar a ter uma parte da comunidade científica assente nestas ditas “publicações”.

Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

6 thoughts on “publicação académica e empreendedorismo a mais, ou como o “empreendedorismo” prejudica a ciência

  1. Acho esse tema tem sido discutido bastante na Max Planck Society (MPS, Alemanha). Eu também recebo desses emails de spam, da Publishing group, que o gmail correctamente identifica como tal.

    Parece-me que, do ponto de vista do autor, há um incentivo grande em publicar nessas revistas: 1. muitas vezes não é ele que paga, mas a instituição; 2. não penaliza o seu CV (nos institutos da MPS de facto os candidatos são penalizadas); 3. melhora os resultados bibliometricos da pessoa; 4. muitas das revistas nem têm um processo de peer-review sério, e.g. ver http://en.wikipedia.org/wiki/Who's_Afraid_of_Peer_Review%3F.

    Um problema é que como essas editoras podem residir em qualquer parte do mundo, não é fácil legislar sobre isso (e nem é claro que queremos isso por outras razões), pelo que me parece que o problema está em quem tem paga pela publicação.

    Assim, sou da opinião que os principais responsáveis por este fenómeno são as instituições que 1. pagam e 2. definem as regras dos seus concursos. Enquanto 1. não houver negação do pagamento para publicação nesses jornais aos autores e 2. que os concursos penalizem a publicação nessas revistas (e.g. o juiz ler o paper), o autor, para benefício próprio, continuará a publicar em revistas desse género com dinheiro dos contribuintes.

    Acho que esta explosão de editoras está apenas relacionada com a rápida expansão da ciência (e.g. em número de publicações), que gerou uma necessidade de os autores se diferenciarem devido à competição.

    Como esta explosão não foi devidamente acompanhada pelo desenvolvimento de métodos e regras de avaliação dessa ciência, neste momento o sistema de avaliação vigente assenta em dados bibliométricos e high impact journals (e.g. nature, science

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  2. Recebido via facebook:
    “[1] Quem separa o trigo do joio?
    [2] Interessante (…). Mas isto esta a acontecer com os top journals de todas as areas?”

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  3. Caro Prof. Pita Barros,

    Esse assunto já me afectou de perto – a minha mulher é professora universitária – pelo que tenho uma opinião não só formada como bastante sólida.

    Apesar do vigente ECDU ter tentado normalizar a bandalheira (que é o termo correcto) dos concursos, a verdade é que ficou curto e deixou, no caso dos currículos científicos, espaço aberto a todo o tipo de abusos. A solução passa, no meu entender, em centralizar a informação na plataforma da FCT (DeGóis) e apenas permitir publicações indexadas em referenciados credíveis (ISI/Thomson, PubMed, SCOPUS, …). Outras “coisas”, como o Google Scholar, não devem / podem ser aceites, sob pena de se falsificar informação.

    Quanto ao problema geral do Open Access, o modelo não me agrada (pelas razões apontadas) mas percebo algumas das razões por de trás de quem o defende. Em muitos (a maioria) dos casos a produção científica tem financiamento público, pelo que pode não ser razoável exigir que a mesma seja paga no momento da consulta. No entanto, mesmo este obstáculo é relativo: os abstracts são integralmente acessíveis nas bases de dados pagas e é possível (quase) sempre contactar os autores e pedir uma cópia dos artigos. Nos outros casos (ex. artigos mais antigos), existem bibliotecas (e não me chocaria que as bibliotecas das universidades públicas fossem gratuitas aos cidadãos, eventualmente com algumas restrições ao nível de número de acessos mensais).

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  4. No caso dos concursos, a solução tem que passar pela seriedade na avaliação, com leitura dos textos, e não apenas com preenchimento de folhas de excel onde se contam os elementos dos CVs. Antecipo também batalhas legais para conseguir argumentar que estas revistas académicas não são sérias. A solução de contar apenas o que estiver referenciado de forma credível é também possível como primeiro filtro.

    O Open Access selectivo (para quem tenha capacidade de pagamento) é propiciador de desvios ao que deveria ser um “level playing field”. Enfim, a produção da ciência e a sua disseminação estão em transformação.

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  5. Pingback: O futuro da ciência | O Insurgente

  6. Prefiro este argumento:

    ELOGIO DO PERFECCIONISMO SEGUNDO MICHAEL DUMMETT

    Click to access perfeccionismo_DUMMETT.pdf

    Da página de M. S. LOURENÇO – Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

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