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Na urgência, por Joana Bénard da Costa

7 comentários

Ontem tive a oportunidade de comentar o novo livro da Joana Bénard da Costa, jornalista especializada em saúde, sobre a realidade das urgências.

Deixo aqui um resumo do meu comentário:

Na urgência,

Por Joana Bénard da Costa

A Joana é uma jornalista de saúde de longa data, e com o seu jeito para a escrita e com o conhecimento que tem do sector, não será surpresa para ninguém que a leitura deste “Retrato” seja agradável e levada de uma ponta à outra de uma só vez.

A Joana encontra, na sua observação, muito do que conhecemos sobre as urgências, adicionando à crueza dos números e das estatísticas o rosto humano presente em cada lado, de quem lá vai e de quem lá está a receber.

Nas urgências de um grande hospital como o Hospital de Santa Maria, acontece um pouco de tudo, e é a ver esse “tudo” que Joana Bénard nos leva.

Há falsas urgências? Há, mas a triagem procura estabelecer as regras – quem é mais grave é atendido mais cedo, o que rapidamente leva à aprendizagem de como “bater o sistema” – “quem costuma recorrer à Urgência sabe como o sistema funciona e como o subverter. Se o doente mentir ou exagerar as queixas” passa à frente – tão português a procura do benefício individual imediato, em que o custo é “empurrado” para outro cidadão – mas se todos aprenderem, e todos fizerem assim nada muda em termos de tempo de atendimento, apenas se prejudicando quem disser a verdade.

Há muito tempo de espera, já dentro, depois de ser visto por um médico, e iniciar o “roteiro” dos exames? Há, sim, e as queixas surgem, mas não sabemos quantos desses casos poderiam ter seguido um caminho diferente fora do Hospital, quanto tempo demoraria a fazerem os mesmos exames se não tivessem ido à urgência. Não se querendo arriscar esperar, a urgência garante tudo, as 13 horas aí passadas em vez dos dias para fazer as análises noutro lado qualquer, e ainda ter que depois ir mostrar ao médico.

Do lado de lá, de quem nos recebe nas urgências, temos uma breve visão do que fazem médicos e enfermeiros, de como lidam com quem por lá passa, cada doente uma vida diferente, o pulsar dos que gostam mais e a ansiedade dos que gostam menos da pressão inerente, de a qualquer momento poder surgir um caso dramático.

Nas urgências, não contam apenas os médicos, ou os enfermeiros. A descrição da Joana Bénard leva-nos a conhecer que os vigilantes ajudam os utentes perdidos, quem faz a segurança tem que saber conhecer os sinais de quando faz sentido ou não ser mais forte. E também os acompanhantes – os casos relatados pela Joana Bénard têm sempre um, a irmã ou um filho, alguém que partilha o caminho para e pelo hospital com o doente, que o apoia e contraria, que lhe serve de escape para as queixas e desabafos.

Podemos retirar algumas ideias para explorar, que possam ajudar o próprio hospital?

Duas surgiram-me com a leitura, é possível e provável que outros olhos consigam identificar mais possibilidades:

  1. encontrar sinalética e circuitos de circulação dos doentes que os façam andar “menos perdidos” (não é que os sinais não estejam lá, nem sempre são é facilmente percepcionados ou compreendidos – de experiência própria – mandar subir num elevador número qualquer coisa, e estar à procura desse número – se estiver pintado nas portas do elevador em formato garrafal é mais fácil)
  2. “a médica (…) escreve sem parar no computador durante meia hora” – fará sentido ter assistência que alguém cujo papel é escrever o que ditar? Registar digitalmente para alguém logo de seguida introduzir? Ou quem sabe, falar com um departamento de uma universidade que a partir do reconhecimento de voz escreva diretamente, sendo depois revisto por alguém que pedirá clarificação apenas se for necessário?

Várias outras passagens do texto da Joana poderiam ser destacadas como refletindo uma realidade que se encontra nos números frios das análises estatísticas, como os tempos de espera, a distribuição dos doentes por cores, a (não) utilização da linha Saúde24, os casos sociais, a violência doméstica, as flutuações associadas de afluência com os jogos de futebol, as dificuldades de articulação com outras entidades, etc.

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Autor: Pedro Pita Barros, professor na Nova SBE

Professor de Economia da Universidade Nova de Lisboa.

7 thoughts on “Na urgência, por Joana Bénard da Costa

  1. Mais livros para comprar…

    Sem ler o mesmo e apenas com base no seu post:

    1- As triagens funcionam com base na honestidade das pessoas. Pretendem destrinçar quem precisa de quem pode esperar, com o objectivo de maximizar os “outcomes” clínicos. Obviamente que se as pessoas desatam a mentir, não funciona. Poder-se-ia implementar um sistema de “detecção de abusos”, ligado ao número de utente. Quem, num ano, for sem motivo mais que “x” vezes ao serviço de urgência passaria a pagar uma taxa extra. Mas não se se seria exequível ou mesmo útil.

    2- A “escriturária” dos médicos. Não me parece que reconhecimento de voz seja uma boa ideia. A margem para erro é grande e as consequências podem ser muitas. O que se pode considerar é o custo de uma “secretária de consultório” (que pode ser um enfermeiro ou um interno) que ficasse responsável por anotar as consultas. E a gravação de voz (como anexação ao processo clínico) parece-me boa ideia, se se conseguir ultrapassar a Comissão Nacional para Protecção de Dados…

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    • Carlos Duarte, inteiramente de acordo com o seu comentário, À excepção do ponto 2. O médico tem SIM que escrever a história clínica. Senão como poderá ele justificar as suas prescrições ?! O senhor prescreveria um medicamento com base numa história clínica não assinada por si ? Duvido. Ou arrepender-se-ia rapidamente. Mais… O médico interno é um “aprendiz”, não um “empregado” ao dispôr do médico. Cabe-lhe durante o seu internato de ano comum ou de especialidade construir a sua aprendizagem com base nos ensinamentos do seu tutor e da restante EQUIPA MULTIDISCIPLINAR… O mesmo se aplica a esta classe no que concerne à sua sugestão de fazer deles “secretária de consultório” (palavras suas)… O enfermeiro pertence a uma classe profissional própria regulada por uma Ordem Profissional. Tem tarefas AUTÓNOMAS e INTERDEPENDENTES, sendo que não tem quaisquer terefas exclusicamente dependentes. Seria ridículo colocar um enfermeiro qualificado a escrever os ditados do Sr. Doutor, não lhe parece…? É uma óbvia minimização de uma profissão que mostra desconhecer. Ainda está a tempo de mudar… porque um dia quando precisar, vai perceber!

      A minha opinião: O problema das urgências não reside na construção de histórias clínicas… essas são OBRIGATÓRIAS e da competência do médico assistente. (Não é ao acaso que lhes são pagos milhares de euros mensalmente. Esse salário é fruto do seu trabalho e responsabilidade, ou pelos menos deveria.) O problema da espera nos S.U. advém unicamente da falta de pessoal médico e de enfermagem existentes e sobretudo das FALSAS URGÊNCIAS que entopem este serviço de cima abaixo. Essas sim, deviam ser moderadas através de taxas adicionais. Trabalho num Serviço de Urgência, faço triagem e vejo a triste realidade de quem não paga 1 tostão valer-se disso com múltiplos episódios sem o mínimo carácter de urgência, dia após dia, após dia, após dia…

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  2. Gostei de assistir à apresentação do livro e as bias sinteses dis interventires para alem da Joana.
    E li durante a noite madrugada.Rei com prazer ( salvo seja) o que é uma urgencia hospitalar, esse mundo de ” once upon a time ” por vezes dramatico e que profissionalmente conheço.
    Excelente documento qye todis os autarcas deste Pais deviam ler e nas Escolas Secundarias deveria ser pedagogicamente utilizado na educação para a cidadania.
    Gostei do que li.E da sintesse de bom Barros.
    Quanto as questões tecnicas, o tema urgencias em Portugal, por comparação com outras realidades, tem muito que evoluir nas barreiras ao acesso desregrado.

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  3. E o anonimo sou eu 🙂 reset do OS 8 deu problemas de autenticação.
    Abraço ” Paulo” 🙂
    Fvroxo

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  4. Que rapidamente as TIC tirem os olhos do ecran para passar o para o doente. Que a informatica possa que o medico tenha acesso aos exames feitos anteriormente evitando desperdicio. Que a formação possa que o medico passe a ver e tratar o doente como um ser humano sensivel a empatia.O pagamento dos cuidados de saude deviam ser de acordo com as possibilidades de cada um e não o chapa5.

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  5. @Carlos Duarte e @cristof9: o desafio é precisamente que se desenvolve reconhecimento de voz fiável, não que se usem os sistemas actuais que ainda têm falhas. E coloco como desafio porque reconheço a importância do registo da informação, e os recursos humanos poderem ter melhores usos se a tecnologia ajudar.

    @cristof9: em grande medida o pagamento dos cuidados de saúde é feito de acordo com as possibilidades de cada um, via impostos. O diferenciar de acordo com as possibilidades no momento de utilização é feito com as isenções existentes. Diferenciar ainda mais ou de uma forma mais contínua requere demonstração que a sensibilidade na utilização segue esse padrão mais fino. O argumento de pagamento por capacidade financeira deve ser tratado sobretudo no ponto de financiamento, em Portugal, no momento de pagar o IRS.

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  6. Se não tivesse bastante livros por ler ia acrescentar este.

    O reconhecimento automático do voz não é muito fiável o que leva a ser necessário rever, contra o som, todo o texto extraído do som. Isto torna todo o processo mais lento do que acelera.

    Um perspectiva que me parece mais útil é repensar os processos e programas médicos. O desenho das interfaces dos programas genericamente não tem como prioridade a velocidade de introdução de dados. É fácil assim pressupor que os programas utilizados pelos médicos também não tem também esta preocupação. Pode ser também útil rever os processos para repartir o trabalho de introdução de dados entre médico e auxiliar, embora esta opção parece-me menos viável pelos custos.

    PS: Não sabia da utilidade de passar tantas horas na urgência, obrigado pela “dica” lol

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